Justiça Global e Terra de Direitos apresentam graves dados sobre violência contra defensores de direitos humanos para Executivo e Legislativo federal
O efetivo enfrentamento das condições que expõem defensoras e defensores de direitos humanos no Brasil a contextos de violência e a proteção deste grupo exige uma atuação coordenada e de envolvimento amplo de várias áreas do poder público, organizações e organismos internacionais. Esta é uma das reivindicações feitas pelas organizações Justiça Global e Terra de Direitos, autoras do estudo Na Linha de Frente: violência contra defensoras e defensores de direitos humanos no Brasil, em reuniões nesta semana, em Brasília (DF), com um conjunto de atores.
Lançada em julho deste ano, a pesquisa revelou a ocorrência de 1171 casos de violência contra defensoras e defensores entre os anos de 2019 a 2022, período sob gestão de Jair Bolsonaro (PL). Os dados mostram o acirramento de conflitos territoriais e ambientais no país, com casos registrados em todos os estados brasileiros.
A política de proteção a quem defende direitos humanos no Brasil é de coordenação do Ministério de Direitos Humanos e Cidadania (MDHC), onde está lotado o Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos, Comunicadores e Ambientalistas (PPDDH). No entanto, as demais pastas podem criar ou fortalecer instrumentos dentro dos ministérios que vincule a atuação da pasta com a proteção de defensores de direitos. Um exemplo é a formação de quadros de segurança pública pelo Ministério da Justiça que atente para riscos e exposições de defensores e defensoras de direitos humanos em territórios em conflitos e o apoio pelo Ministério na análise de risco a que estão as e os defensores e nas investigações sobre crimes cometidos contra esta população. Este foi um dos pontos abordados em reunião com o ministro Silvio Almeida, do Ministério de Direitos Humanos e Cidadania, com Marivaldo Pereira, Secretário de Acesso à Justiça, e Sheila Carvalho, Assessora especial, ambos do Ministério da Justiça.
“É dever de todos os ministérios adotarem ações que contribuam para a proteção aos defensores e defensoras de direitos humanos no Brasil, bem como atuar de forma eficaz para impedir que as violações aconteçam. Por exemplo, enquanto não houver uma política célere de demarcação e titulação de terras no país, teremos comunidades indígenas e quilombolas ameaçadas, lideranças criminalizadas e até mortas”, destaca Antonio Neto, pesquisador da Justiça Global.
“Durante as agendas de incidência buscamos demonstrar o quanto é necessário haver a estruturação de uma comunicação entre os diversos ministérios e instituições públicas que trabalham como temas e influenciam na vida e na luta das defensoras e defensores, a exemplo do Incra e Funai. Destacamos que a política pública de proteção é essencial e precisa ser fortalecida, mas que, no entanto, não é suficiente. É necessário responsabilizar os violadores, é necessário enfrentar as questões estruturais que expõem defensores de direitos às situações de violência”, complementa a assessora jurídica da Terra de Direitos, Alane Luzia da Silva.
Outro destaque feito durante os diálogos com os órgãos é a necessária atenção, com adoção de medidas preventivas a respostas violentas por parte de setores privados e militarizados ao avanço da agenda de direitos humanos pela atual gestão. Na avaliação das organizações, o assassinato da liderança do Quilombo Pitanga dos Palmares e defensora de direitos humanos, a Yalorixá Maria Bernadete Pacífico, no dia 18 de agosto, precisa ser entendido por este recorte. Localizada em Simões Filho, região Metropolitana de Salvador (BA), a comunidade quilombola sofre há anos com especulação imobiliária industrial e pelos impactos de grandes empreendimentos públicos e privados, de acordo com Mapa de Conflitos. O território tradicional é reconhecido pela Fundação Palmares desde 2005, mas o processo de titulação ainda corre no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).
“O assassinato da Mãe Bernadete precisa ser olhado com retrovisor para o ano de 2003, início da 1ª gestão de Lula. Neste ano o número de assassinatos no campo saltou para 73, de acordo com dados da Comissão Pastoral da Terra. No ano anterior, em 2002, o registro foi de 47 assassinatos. Este foi um momento em que a política pública pode avançar na agenda de implementação de direitos estruturais, como acesso ao território quilombola, indígena e acesso à terra por sem terras. No domingo (09) a Conab anunciou a safra recorde do 322 milhões de toneladas de grãos, demonstrando que o agronegócio amplia cada vez mais suas fronteiras. Temos então um cenário de aumento da conflitividade, porque interesses capitalistas querem avançar nos territórios, principalmente de povos tradicionais, quilombolas e indígenas, enquanto estes movimentos querem avançar na agenda de direitos. A gente precisa estar atento a possíveis reações violentas. A gente continua a perder vidas”, destaca o coordenador da Terra de Direitos, Darci Frigo.
Assista à apresentação feita durante a sessão do Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH) completa: https://youtu.be/amuSqUmKafo?t=19408
Fortalecimento do Programa
Outro destaque dos diálogos foi sobre a importância do trabalho a ser desenvolvido pelo Grupo de Trabalho Técnico Sales Pimenta. Instituído em junho pelo Ministério de Direitos Humanos e Cidadania por meio do Decreto 11.562/2023, o colegiado composto por representantes de diversos ministérios e organizações da sociedade – entre elas a Terra de Direitos e Justiça Global – tem como atribuição a elaboração do Plano Nacional de Proteção aos Defensores dos Direitos Humanos, Comunicadores e Ambientalistas e de uma proposta de anteprojeto de lei sobre a Política Nacional. Isto porque o Programa ainda não foi instituído como política de governo, o que vulnerabilizou o Programa no governo anterior, declaradamente de gestão contrária à defesa dos direitos humanos. Os trabalhos do GT devem iniciar nas próximas semanas.
Na conversa, o ministro de Direitos Humanos, Silvio Almeida, relatou preocupação com as violências contra as e os defensores. Ele relatou que, paralelo ao trabalho do GT, serão adotadas medidas para fortalecimento do Programa. As organizações destacaram a urgência na adoção destas medidas e reivindicaram que as medidas fossem dialogadas com as organizações, anteriormente à sua implementação.
Durante apresentação da pesquisa para Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH) o representante do Ministério de Direitos Humanos relatou que foi feita uma suplementação orçamentária para 2023 de R$ 3 milhões para o Programa, totalizando em torno de R$ 23 milhões de recurso no ano para execução do Programa de Proteção. “Reconhecemos que não é suficiente”, declarou.
Importância dos dados
Outro destaque feito durante as apresentações do estudo foi sobre como o levantamento vem para buscar atender à ausência de dados sobre as violências contra quem defende direitos humanos no Brasil.
“Os dados que as organizações produziram são dados que o Estado [brasileiro] não produziu. Demonstra que há compromisso da sociedade em sair de um lugar de invisibilidade, de descaso para um lugar de conhecimento e visibilidade [da violência]. A gente espera que estes dados tragam não somente dignidade para serviço de proteção [aos defensores], mas também eficácia para o Programa”, aponta a conselheira do CNDH e representante do Conselho Nacional de Procuradores Gerais, Luisa Marilac.
Na avaliação das organizações autoras do estudo, a realidade de violências contra defensoras e defensores já é uma realidade conhecida por parte da sociedade. No entanto, é preciso reafirmar a gravidade desta realidade e a incapacidade do estado brasileiro em proteger quem defende direitos humanos – até o momento – no processo urgente de reconstrução das políticas de proteção. As organizações destacaram nas reuniões que, ao tratar de proteção a defensores e defensoras de direitos humanos, a produção de dados é uma das ações necessárias. No entanto, é preciso também avançar em etapas sequentes, como reparação aos crimes, criação de memória – frentes em que o país ainda está distante.
A pesquisa também foi apresentada nesta semana para o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (OACNUDH), membros de uma delegação da União Europeia e de nove embaixadas de países europeus, para a Comissão de Direitos Humanos, Minorias e Igualdade Racial da Câmara (CDHMIR) e para participantes do 2º Fórum de Defensoras e Defensores de Direitos Humanos em temas ambientais para o Acordo de Escazú, agenda que contou com integrantes de diversas organizações e movimentos sociais do país.