Em meio a julgamento no STF, suspenso após pedido de vista, a organização denunciou as violações de direitos humanos no combate ao narcotráfico no Brasil, no México e nas Filipinas. Integrante do movimento Mães da Maré/RJ participou da agenda em Genebra.
Na manhã desta segunda-feira(18), a Justiça Global denunciou, na 54ª sessão do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, as violações de direitos humanos no contexto da “Guerra às Drogas”. A organização, representada em Genebra por sua coordenadora do programa de Violência Institucional e Segurança Pública da Justiça Global, Monique Cruz, citou a situação no Brasil, no México e nas Filipinas como três exemplos retumbantes do problema.
A declaração oral de Monique Cruz foi apresentada no Diálogo Interativo com o Grupo de Trabalho sobre Detenção Arbitrária. Segundo Cruz, a violenta campanha contra as drogas do governo filipino se assemelha aos que vêm ocorrendo no Brasil. No país do Sudeste Asiático, um ano antes do final do mandato do presidente Rodrigo Duterte, quase trezentas mil pessoas suspeitas de tráfico de drogas foram detidas e presas, segundo denúncia da Anistia Internacional.
A militante do Movimento Mães da Maré/RJ, Bruna da Silva, também participa de atividades em Genebra nesta semana. Bruna apresentou a situação da violência policial ao lado de outros familiares e vítimas da violência do Estado, além de organizações de Direitos Humanos, do México e das Filipinas. (Saiba mais).
Moradora do Conjunto de Favelas da Maré/RJ, Bruna teve seu filho, Marcus Vinicius, de apenas 14 anos, assassinado em 2018 quando estava a caminho da escola durante uma operação realizada pela Força de Segurança Nacional, em conjunto com a Polícia Civil do Rio de Janeiro, durante o período de intervenção federal na segurança pública do estado fluminense.
Clique aqui para assistir à fala de Monique Cruz pela Justiça Global.
Brasil, México e Filipinas enfrentam graves índices de violência
Em ambos os países, essas políticas de segurança pública têm resultado em abusos e violações, como execuções extrajudiciais, tortura, desaparecimentos, discriminação, prisões em massa e detenções arbitrárias em centros de detenção e carceragens superlotadas. “É importante observar que a ex-senadora filipina Leila De Lima permanece detida devido ao que se acredita serem acusações forjadas de drogas contra ela”, destacou Monique Cruz.
“O Brasil tem hoje uma população carcerária de mais de oitocentas mil pessoas, a terceira maior do mundo, com impacto desproporcional sobre os negros. Quase 30% foram condenados por crimes relacionados com drogas”, destacou a assistente social e pesquisadora, ao lembrar que o Supremo Tribunal Federal está atualmente julgando um caso importante que pode descriminalizar o porte de maconha.
A Justiça Global solicitou ao Grupo de Trabalho sobre Detenção Arbitrária da ONU que reafirme ao Estado brasileiro a importância deste julgamento e que incentive o Supremo a incluir outras drogas no mesmo raciocínio.
O desempenho do Brasil é o pior entre os 30 países avaliados no Índice Global de Políticas sobre Drogas, que se baseia nas recomendações das Nações Unidas sobre direitos humanos, saúde e desenvolvimento relacionados ao tema. O México ocupa o 26o lugar do ranking e as Filipinas não são avaliadas pela pesquisa.
Com uma abordagem punitivista e criminalizante sobre o uso e o comércio de substâncias, a chamada Guerra às Drogas coloca o narcotráfico como inimigo do Estado a ser combatido por meio de uma política pública altamente militarizada, o que é usado como argumento para a realização de ações e operações policiais violentas, sobretudo em territórios periféricos.
Discussão sobre a descriminalização no Brasil
A discussão sobre a descriminalização do porte de drogas para consumo próprio no Supremo Tribunal Federal, do Recurso Extraordinário (RE) 635659, foi suspensa no mês passado após pedido de vista do ministro André Mendonça. O tema tem repercussão geral e, até o momento, há cinco votos pela inconstitucionalidade da criminalização do porte de maconha para consumo próprio e um voto que valida a previsão do artigo 28 da Lei de Drogas (Lei 11.343/2006).
No entanto, para a Justiça Global, a tendência do debate no Supremo de não incorporar outras substâncias entorpecentes é insuficiente. “Mesmo em relação à maconha, descriminalizar é pouco. É necessário legalizar seu uso, o que envolve toda a cadeia produtiva. Essas e outras considerações são necessárias para dar conta das violações de direitos humanos no contexto de guerra às drogas, de encarceramento em massa e seus contornos de gênero e, sobretudo, de raça”, observa Daniela Fichino, diretora-adjunta da Justiça Global.
A advogada acrescenta que, em paralelo, é importante também ter à discussão no âmbito do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro da Súmula n.º 70, que admite o depoimento do policial como única prova para a acusação de tráfico. “A súmula que inclusive fragiliza a presunção de porte para uso ou consumo próprio como discutido neste momento pelo STF”, diz. Há ainda uma série de projetos de lei apresentados no Congresso Nacional, que exigem atenção da sociedade civil, por poder tornar sem efeito tal debate na Corte.