A Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados (CDHM) promoveu o seminário “Sistema Penitenciário Brasileiro: Crises e Perspectivas”, debate que teve como finalidade apresentar propostas que solucionem a grave crise que se abate sobre o sistema penitenciário brasileiro, que se arrasta há muitos anos e que vem se agravando, com mais de 120 mortes dentro de complexos carcerários apenas em 2017. A iniciativa do seminário partiu do deputado Luiz Couto (PT-PB), membro da Comissão.
Dividido em duas mesas, devido à complexidade do tema e da gama variada de argumentos a serem abordados, o seminário teve sua abertura com a fala do Padre Valdir Silveira, coordenador nacional da Pastoral Carcerária, órgão vinculado à CNBB que trabalha buscando a ressocialização e melhores condições no sistema carcerário há décadas. Para o padre Valdir, o Legislativo brasileiro deve se debruçar novamente sobre a CPI do Sistema Prisional, que há dois anos elogiou a situação dos presídios no Brasil em que pese todas as denúncias de violações de Direitos Humanos. “Os presídios são centros de tortura e ainda assim foram exaltados por parlamentares. É preciso rever o que foi analisado em 2015. Além disso, tramitam no Congresso projetos de lei que tendem a aumentar ainda mais o encarceramento de um sistema que já não comporta mais tantos presos, explodindo os custos e os problemas. Isso tem que ser revisto.
Monique Cruz, pesquisadora da Justiça Global, lembrou que a guerra às drogas, fracassada em todo o mundo, é uma das responsáveis pelo encarceramento massivo no país. “Estamos acompanhando muitos casos em que as pessoas não conseguem provar que são apenas usuárias e acabam qualificadas como traficantes”. Monique destacou ainda que persistem em nossos presídios a detenção de travestis e transexuais em presídios masculinos.
Para o pesquisador do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM), Cristiano Maronna, o Legislativo brasileiro tem mentalidade encarceradora. O pesquisador entregou um caderno com 16 propostas para a redução do encarceramento e recomendou à CDHM o acompanhamento da situação dos usuários de drogas da região de São Paulo conhecida como “Cracolândia”, pois a ação da prefeitura municipal está internando à força os usuários em hospitais com características manicomiais.
A defensora pública e representante da Associação Nacional dos Defensores Públicos (Anadep), Alessa Pagan Veiga, apresentou uma pesquisa da instituição que visitou presídios de vários estados brasileiros e constatou problemas comuns a todos. Medidas como a padronização da gestão, alimentação do sistema com dados de guia de execução, e uma atenção maior dispendida aos familiares de detentos minimizariam alguns dos desafios mais graves.
Soluções consideradas “mágicas” para prevenção de crimes e definição de comportamentos devem ser repelidas por não trazerem nenhum elemento científico, aponta Paulo Maldos, vice-presidente do Mecanismo de Combate à Tortura, vinculado à Secretaria de Direitos Humanos do Governo Federal. Psicólogo de formação, Maldos chamou de “absurdo” o PL 499, que estabelece a realização de exame criminológico com o intuito de determinar, identificar e prever condutas criminosas.
O perito José Ribamar Ribeiro e Lima, do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, sugeriu a criação de comitês estaduais dos mecanismos como forma de denúncia e contenção da tortura generalizada que assola os presídios brasileiros. Segundo ele, “a Comissão de Direitos Humanos e Minorias deve se engajar no combate à privatização do sistema penitenciário”.
Encarceramento em massa e Estado de Exceção
O diagnóstico unânime dos expositores da segunda mesa do seminário foi apontar o encarceramento desenfreado como um dos problemas centrais do sistema penitenciário brasileiro. O advogado Fábio Tofic, do Instituto de Defesa do Direito à Defesa (IDDD), denunciou o abuso do instrumento da prisão provisória. “Há presos que ficam anos aguardando julgamento detidos, isso é inadmissível. O Poder Judiciário tem responsabilidade grande nessa questão. Precisamos aumentar o filtro de entrada, despenalizando determinadas condutas, e ampliando o filtro de saída”, ressaltou. Mara Fregapani, do Departamento Penitenciário Nacional, concordou com o argumento.
Assim como Monique Cruz, a pesquisadora Pétalla Timo, da organização Conectas, classificou a guerra às drogas como principal causa da crise penitenciária. Pétalla solicitou à CDHM que acompanhe e se possível atue pela aprovação de projeto de lei que exclua o tráfico de drogas da classificação de crimes hediondos.
Viviane Balbuglio, do Instituto Terra, Trabalho e Cidadania, reforçou a necessidade de atentarmos para as especificidades da mulher presa no sistema. “Quando falamos do caos nos presídios, sempre lembramos dos locais onde os homens estão encarcerados, mas os presídios femininos sofrem com os mesmos problemas, até agravados”, apontou.
A voz de familiares de egressos do sistema penitenciário teve ressonância com Darlana Godoi, que representa a associação brasiliense desta questão. “O Judiciário não deve responder ao clamor público da grande mídia. É fundamental priorizar a reinserção dos egressos”