As cadeias logísticas de extração, beneficiamento e transporte de minérios não se assemelham apenas pela forma como suas estruturas são pensadas, mas também pela forma como populações tradicionais e pobres, assim como o meio ambiente, são diretamente atingidos. No relatório “Logísticas da Exclusão”, a Justiça Global faz um estudo comparativo entre a Estrada de Ferro Carajás, no Norte do Brasil, e o Corredor Logístico de Nacala, em Moçambique. Os dois projetos têm como principal responsável a mineradora brasileira Vale, que há décadas exporta não apenas minério, mas também modelos de produção nos quais as populações não são vistas como prioridade, mas sim como empecilhos para um suposto desenvolvimento.
A Estrada de Ferro Carajás (EFC) entrou em funcionamento em 1985, transportando em seus 892 quilômetros 35 milhões de toneladas de minério de ferro por ano. A experiência na maior mina de ferro do mundo serviu de base para que a Vale investisse no projeto de exploração das reservas carboníferas de Moatize, em Moçambique. Essa, que é a maior reserva de carvão metelúrgico e térmico do mundo, estimada em 2,4 bilhões de toneladas, teve sua primeira extração realizada em setembro de 2011. Para que fosse possível escoar essa produção, a Vale comprou, em 2010, 51% da participação na Sociedade de Desenvolvimento do Corredor do Norte S.A. (SDCN), que controlava dois sistemas, a linha férrea do Sena e a linha Moatize/Nacala, que seria usada no escoamento do carvão.
As duas estruturas funcionam passando por áreas com populações tradicionais e de baixa renda sendo diretamente afetadas. Na logística da exclusão, a Vale não precisa colocar em suas contas os danos causados a esses povos. Os governos dois dos países, por sua vez, também não fiscalizam ou cobram da empresa soluções para essas questões, sendo, na realidade, parceiros da mineradora. Uma das principais violações é a poluição aérea, que atinge diretamente a saúde das pessoas. No Pará, por exemplo, os moradores do assentamento Palmares II sofrem com a poeira causada pela EFC, que passa dentro do assentamento. Em Moatize, Moçambique, as pilhas de material estéril (refugos da exploração) ao lado as casas levam a problemas respiratórios da população.
Há toda uma série de outros impactos, que vão da poluição sonora e da água à destruição de ecossistemas cortados pelas ferrovias. Na publicação da Justiça Global, há dois mapas dos corredores logísticos que mostram esses impactos nas comunidades em volta dos projetos. Dessa forma, a pessoa que lê o relatório consegue também entender visualmente como as violações se espalham. Da mesma forma, a publicação faz o alerta sobre a situação das lideranças e comunidades que vêm enfrentando e denunciando as ações da empresa. Há, por todo o caminho das ferrovias, um rastro de violência, que já levou a vítimas fatais.
“Ao compararmos as duas cadeias de produção, queremos evidenciar que, apesar de os efeitos serem sentidos localmente por essas populações, se trata de uma política global, adotada não apenas pela Vale, mas também por outras empresas no mundo. Ao colocar essas informações lado a lado, esperamos mostrar como o discurso de desenvolvimento e melhorias de vida, tão utilizado pela empresa em suas campanhas de publicidade, esconde um modelo de produção que tem em seu cerne a violação de direitos humanos”, explicou Melisanda Trentin, coordenadora da Justiça Global.
Leia o relatório e veja abaixo o mapa mostrando as violações nos dois corredores: