Anistia Internacional, Conectas, Justiça Global, Redes da Maré e Observatório da Intervenção realizam evento paralelo à Sessão do Conselho de Direitos Humanos da ONU no dia 20 de setembro, em Genebra
Cerca de sete meses após o decreto de intervenção federal na segurança pública do Rio de Janeiro, organizações da sociedade civil alertam para as violações de direitos humanos e aumento de índices de violência que revelam a ineficiência do modelo adotado. Os confrontos entre facções, milícias e as forças de segurança se acentuaram, levando ao recorde histórico de 6 mil tiroteios registrados durante os meses da intervenção. Houve um aumento de 38% de mortes decorrentes de ação policial em relação ao mesmo período no ano passado.
O quadro de violações sistemáticas será debatido em evento paralelo à 39ª Sessão do Conselho de Direitos Humanos da ONU, no dia 20/9, em Genebra. O debate “Militarização da segurança pública: intervenção federal no Rio de Janeiro, execuções extrajudiciais e riscos para defensores de direitos humanos” reunirá representantes da Anistia Internacional, Conectas, Justiça Global, Redes da Maré, Observatório da Intervenção e também Monica Benício, companheira de Marielle Franco, defensora de direitos humanos e vereadora assassinada no Rio de Janeiro em março deste ano, já sob intervenção federal.
“Dos 44 decretos da Garantia da Lei e da Ordem, nos últimos 10 anos no Brasil, 17 aconteceram na cidade do Rio de Janeiro mostrando o agravamento da militarização da segurança pública no Brasil, sobretudo nas favelas cariocas”, explica Eliana Silva, diretora da Redes da Maré. Isso tem um impacto direto sobre o recrudescimento da violência e a ocorrência de violações, conforme a crítica de Guilherme Pontes, pesquisador do programa de Violência Institucional e Segurança Pública da Justiça Global, “uma política de segurança baseada em confrontos armados com altos níveis de letalidade e o crescente uso das Forças Armadas na segurança interna não são aceitáveis para Estados Democráticos de Direito com compromissos internacionais em Direitos Humanos”.
As organizações são unânimes ao dizer que a intervenção federal na segurança pública é uma medida drástica, que deveria ser acionada em condições excepcionais, o que não é o caso do Rio de Janeiro. As críticas ao decreto destacam a falta de transparência e a imprecisão em relação às competências dos entes públicos. Prova disso é que sete meses após sua instituição, ainda não há um orçamento detalhado ou um planejamento de ações definido. Outro ponto de atenção levantado pelas organizações é a impunidade em casos de crimes cometidos por militares.
“A militarização e o frequente uso das forças armadas não reduz a criminalidade e ainda resulta em diversas violações de direitos humanos. A impunidade nos casos de violações cometidos pelos militares só agrava o quadro de violência cometida pelos agentes do estado que se sentem autorizados a matar” afirma Renata Neder, coordenadora de pesquisa da Anistia Internacional Brasil. Camila Asano, coordenadora de programas da Conectas, ressalta que a intervenção é inconstitucional e “parte de uma lógica de guerra para lidar com a questão da segurança pública, que possui falhas estruturais no Brasil e cuja solução passa pelo investimento em políticas públicas básicas, como educação e saúde, além de iniciativas que promovam a descriminalização das drogas, controle de armas e reforma das polícias”.
Desde fevereiro de 2018, o monitoramento do Observatório da Intervenção registrou mais de 450 operações policiais-militares, que mobilizaram um total de 180 mil agentes. Ao mesmo tempo, nota-se a escassez de ações de inteligência, capazes de desarticular grupos criminais sem violência, e de iniciativas dedicadas a enfrentar o histórico problema da corrupção nas polícias. “Precisamos de políticas de segurança que preservem vidas e não baseadas em operações, que geram poucos resultados e causam tiroteios e mortes, muitas vezes pelas próprias forças policiais, como tem ocorrido no Rio de Janeiro sob intervenção”, completa a coordenadora do Observatório da Intervenção, Silvia Ramos.
Sobre o assassinato de Marielle Franco
Marielle Franco era uma defensora de direitos humanos do Rio de Janeiro conhecida por seu histórico de defesa dos direitos de jovens negros de favelas e periferias, mulheres e pessoas LGBTI. Durante uma década atuou na Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do estado do Rio de Janeiro e, em 2016, foi eleita vereadora no município do Rio de Janeiro.
No dia 14 de março de 2018, cerca de um mês depois do decreto da intervenção federal no Rio de Janeiro, Marielle Franco foi assassinada a tiros quando voltava de um debate. Anderson Gomes, o motorista do veículo onde ela estava, também foi morto. Marielle havia sido nomeada relatora da comissão criada na Câmara Municipal para monitorar a intervenção federal na segurança pública do Rio de Janeiro. Seu posicionamento era contrário à intervenção e à política de militarização da segurança pública.
Quase seis meses depois do assassinato, não há qualquer resposta sobre quem foram os autores do crime, os mandantes e a motivação. As informações divulgadas pela imprensa indicam que o assassinato de Marielle Franco foi um crime sofisticado, cuidadosamente planejado, e pode ter tido a participação de agentes do estado e das forças de segurança.