Flávio Dino, por que a Força-Tarefa de Intervenção Penitenciária foi enviada para Pernambuco?

Nota de posicionamento da Justiça Global e do Sempri

A Justiça Global e o Serviço Ecumênico de Militância nas Prisões (Sempri) recebem com perplexidade a decisão do ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, que autorizou o emprego da Força-Tarefa de Cooperação Penitenciária, antiga Força-Tarefa de Intervenção Penitenciária (F-TIP) para dar apoio ao governo do Estado de Pernambuco por 45 dias. A portaria (MJSP n.º 360, de 24 de abril de 2023) não explicita as motivações. A medida intensifica a militarização nos espaços de privação de liberdade.

A Justiça Global e o Sempri atuam como peticionárias das medidas provisórias outorgadas pela Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH), em 2014, por conta das graves violações de direitos humanos sofridas pelas pessoas privadas de liberdade no  (PE). O caso tramita no Sistema Interamericano desde 2011, quando foram emitidas as primeiras medidas cautelares pela Comissão Interamericana.

As violações de direitos humanos no sistema prisional de Pernambuco foram documentadas quando o Complexo do Curado ainda era conhecido como Presídio Aníbal Bruno. Inicialmente, foram denunciados 268 casos de violência (assassinatos, torturas e outros) na unidade que se chamava Presídio Aníbal Bruno. Já em 2012 ela foi transformada em três unidades, passando a se chamar Complexo Prisional do Curado, composto por: presídio Juiz Antônio Luiz Lins de Barros (PJALLB), Presídio Aspirante Marcelo Francisco de Araújo (PAMFA) e Presídio Frei Damião de Bozzano (PFDB).

Em janeiro de 2014, ano em que a Corte IDH publicou sua primeira resolução, havia pelo menos 6.600 pessoas nas três unidades que continuam superlotadas e sucateadas. Hoje o Estado brasileiro informa a existência, no Complexo do Curado, de uma população de cerca de 3.890 pessoas e insiste em afirmar haver 1.500 vagas no total. Vagas estas que sequer podem ser contadas já que não existem fisicamente.

Tal situação é reiterada e as organizações representantes das vítimas na ação, que vêm sistematicamente apresentando à Corte IDH – que já emitiu seis Resoluções ao longo dos anos – o aprofundamento da situação de grave ameaça à vida e à integridade das pessoas privadas de liberdade nas unidades do Curado, incluindo a negativa explícita dos órgãos de Estado de Pernambuco (administração penitenciária, Secretaria de Justiça e Direitos Humanos, Ministério Público Estadual e Tribunal de Justiça) em implementar de forma efetiva as medidas determinadas pela Corte IDH, entre elas a proibição de entrada de novas pessoas e a contagem em dobro do tempo de prisão dado as condições antijurídicas, que se encontra o Curado.

Além da continuidade das violações do direito à saúde, ao acesso à água, à alimentação adequada e às condições dignas de vida, as pessoas ali estão privadas de liberdade, não de direitos. Não bastassem as torturas e homicídios, os tiroteios, as ameaças contra defensoras de direitos humanos que atuam no caso, o Estado brasileiro, hoje em plena retomada da democracia participativa, de forma equivocada toma uma decisão autoritária à revelia, inclusive dos próprios policiais penais, de enviar ao estado a Força-tarefa de Cooperação Penitenciária (FECOPEN), conhecida pelo nome anterior de Força-tarefa de Intervenção Federal (FTIP), para treinamento de contenção de corpos que já estão contidos de forma irregular, reproduzindo a manutenção de uma espécie de AI-5 nos espaços prisionais.

Tal decisão preocupa sobremaneira a Justiça Global e o Sempri, já que há evidências, relatórios e denúncias, sobre a atuação violenta da Força-Tarefa federal. As denúncias evidenciam que a FTIP emprega técnicas de tortura e violência como forma de impor um suposto controle da população prisional, como houve em ocasiões diferentes no Rio Grande do Norte, no Ceará, no Amazonas e Pará. Há também uma preocupação latente sobre a falta de controle das tropas, já que a lei que a criou não determina mecanismos de controle social ou sistemas de hierarquia, investigação e responsabilização em relação às denúncias.

Ademais, a Justiça Global e o Sempri reiteram que a Corte IDH outorgou uma série de medidas para enfrentar os problemas basilares do sistema penitenciário, para a redução da superpopulação, para garantia de condições de vida das pessoas privadas de liberdade que vive em condições antijurídicas e vive a reiteração do racismo que além de encarcerar uma maioria de pessoas negras, lhes privando do direito à vida e à integridade física e mental.

A escolha do Estado brasileiro é de violar direitos e não atender às resoluções da Corte Interamericana de Direitos Humanos.

 

* Foto da capa: Bruno Lafaiete/TV Globo

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