62 mortos. Este é o número mais recente do massacre ocorrido na última segunda-feira no Centro de Recuperação de Altamira (PA). Às 58 mortes confirmadas no interior do presídio, somam-se as mortes de outros 4 detentos durante o transporte realizado pela Secretaria de Estado de Segurança Pública e Defesa Social do Estado do Pará, que fazia a transferência dos presos até Marabá. A confirmação destas quatro mortes ocorreu na manhã de hoje (31), em nota do governo do Pará. O comunicado afirma que o Estado não possui caminhão para transferência com celas individuais, e que a causa das mortes ainda está sob investigação.
A brutalidade do massacre em Altamira expõe as múltiplas facetas da falência do sistema prisional brasileiro. Como se não bastasse o completo cenário de indignidade a que são sujeitas as pessoas sob custódia estatal, o Estado mostra-se absolutamente incapaz até mesmo de realizar o transporte dos presos sob adequadas condições de segurança. Aos familiares dos presos de Altamira, o que o Estado oferece são tendas improvisadas sob o sol, tomadas pelo cheiro de putrefação dos corpos. Não há sequer profissionais e material adequado para a realização da perícia e identificação dos corpos. Nem os próprios agentes penitenciários tem sua vida ou segurança preservadas – dois deles chegaram a ser feitos reféns durante o massacre de Altamira.
Em número de vítimas, este é o episódio mais brutal ocorrido em um único centro prisional desde o massacre do Carandiru, em 1992, que deixou 111 mortos. O massacre de Altamira se localiza dentro de um cenário recorrente de mortes violentas no sistema prisional brasileiro. Em maio deste ano, 55 presos foram mortos durante dois dias em quatro presídios no estado do Amazonas. Foi também no Amazonas que teve início uma onda de massacres nos primeiros meses de 2017, quando 56 pessoas foram mortas no Compaj. Em Alcaçuz, no Rio Grande do Norte, o número de vítimas chegou a 26, e outras 33 pessoas foram assassinadas na Penitenciária Agrícola de Monte Cristo, em Roraima. Os números da violência letal dentro dos presídios brasileiros desnuda o fracasso cotidiano do Estado Brasileiro na garantia das condições mais básicas de sobrevivência daqueles que se encontram sob sua custódia.
As prisões brasileiras têm sido há muito qualificadas como centros de tortura por organismos internacionais. A Justiça Global realiza, desde sua fundação, há 20 anos, um trabalho qualificado de monitoramento, incidência e litigância internacional voltado à denúncia do caos estrutural sob o qual se assenta a política criminal brasileira. Nesses vinte anos, vimos o acirramento das políticas de encarceramento em massa: de 194 mil presos em 1999, o Brasil passou a 812 mil presos em 2019, de acordo com os últimos dados divulgados pelo CNJ. A superlotação é a realidade de quase a totalidade dos presídios do país, e Altamira não era exceção: a unidade tem capacidade para abrigar 163 detentos, segundo o CNJ, e contava com 343 no momento do massacre.
A aposta do sistema de justiça criminal no encarceramento em massa seletivo da população pobre e negra do país é a aposta no aprofundamento da barbárie de Estado, e qualquer transformação deve passar por uma reversão profunda – e, portanto, estrutural -, com medidas efetivas e responsáveis de redução do encarceramento massivo e da superpopulação carcerária, de combate à tortura e de garantia da dignidade humana das pessoas privadas de liberdade no país.
Foto: Daniela Fichino / Gericinó (RJ)