Observatório Direitos Humanos e Crise Covid-19 lança Balanço da Política Brasileira de Vacinas

Segundo levantamento realizado pelo Observatório Direitos Humanos Crise e Covid-19 traz informações sobre o histórico de vacinação no Brasil, com foco nas ações do governo federal durante a pandemia do novo coronavírus.

Balanco-da-Politica-Brasileira-de-Vacinas_capaO Brasil está prestes a atingir a marca de 400 mil vidas perdidas pela Covid-19. Mortes que poderiam ter sido evitadas, se não fosse o objetivo do plano genocida do atual governo.

A política de desmonte das instituições públicas instaurou-se no país antes da pandemia, e a atual crise tem sido utilizada como ferramenta para intensificar as violações de direitos, sobretudo, entre os grupos vulnerabilizados. É o que aponta o novo levantamento Balanço da Política Brasileira de Vacinas, publicado pelo Observatório Direitos Humanos Crise e Covid-19.

O relatório destaca as graves omissões da ação governamental desde os primeiros estudos para a produção da vacina e indica caminhos para que se interrompa a trajetória letal que a gestão da pandemia vem constituindo.

Para contextualizar o atual cenário em que o Brasil se encontra, a equipe de pesquisa resgata o histórico da política brasileira de imunização, alinhado à uma linha do tempo sobre as ações do governo federal no âmbito do fomento à pesquisa para descoberta, aprovação, aquisição e distribuição dos imunizantes contra Covid-19.

O Programa Nacional de Imunização (PNI) é resultado de anos de dedicação dos profissionais de saúde, cientistas, gestores em saúde pública e, sobretudo, de ativistas em defesa do SUS.

A implementação do PNI criou uma agenda nacional de vacinações, centralizada pelo Ministério da Saúde e operacionalizada por meio dos municípios. As campanhas de vacinação são estruturadas em torno dos índices de contágio das doenças, faixa etária e condições sociais da população, capacidade de produção das vacinas, quantidade de dias necessários para vacinação e condições de montagem de estruturas temporárias destinadas apenas a essa atividade.

Somou-se a todo este aparato de cobertura vacinal fortes campanhas centradas na divulgação das instruções em relação ao dia, local e hora, bem como na conscientização da população quanto aos riscos de não se vacinar. A informação pública de qualidade mostrou-se a principal aliada da imunização no Brasil.

Até 2003, 77% dos imunobiológicos utilizados eram de laboratórios brasileiros, fazendo com o que o Brasil fosse reconhecido como um dos melhores países do mundo no campo da pesquisa e cobertura vacinal, atingindo 70% da população nos últimos 10 anos.

Porém, conforme mostra o estudo, a partir de 2016 os índices de vacinação começaram a decair em todo o país. Fatores como o desconhecimento da população quanto a gravidade das doenças que já foram erradicadas e a falta de convívio com as mazelas durante o período de epidemia das infecções é o que descredibiliza a prevenção.

Ao mesmo tempo, aspectos como a disseminação das notícias falsas, também conhecidas como fake news, a respeito da necessidade, eficácia, origem ou efeitos adversos das vacinas, o crescimento dos movimentos antivacina e o subfinanciamento de políticas de saúde, sobretudo após a Emenda Constitucional 95, também colaboraram com as quedas na cobertura vacinal a partir de 2016.

Em 2020, primeiro ano da pandemia da Covid-19 e segundo ano do governo de Jair Bolsonaro, o país teve o seu segundo pior desempenho vacinal da década (66,42%), o que certamente importou sérios agravos e sobrecarga à saúde pública, em um momento em que a rede já estava a beira de um colapso total.

Segundo Emanuelle Góes, epidemiologista e doutora em Saúde Pública, a politização interfere e prejudica as ações de enfrentamento da pandemia, sobretudo, em relação à vacinação no país.

“A precarização da vacinação tem sido uma decisão política, visto que temos expertise em imunização e as estruturas dos municípios estão preparadas para vacinar a população, pois quase 100% tem o serviço organizado. O que vemos é o reflexo de como os Planos estão sendo implementados, com alguns grupos que poderiam ter um percentual significativo de vacinados, mas nem chegamos a 1%”.

Linha do Tempo da Imunização na pandemia da Covid-19

O quadro de saúde antes da pandemia
Desde a promulgação da Emenda Constitucional Nº95, em dezembro de 2016, a conhecida Emenda do Teto de Gastos, o gasto mínimo da receita da União com a saúde deixou de ser obrigatório e a destinação de recursos para o setor passou a ser corrigido apenas a partir do cálculo do índice da inflação.
Para se ter uma ideia, só no ano de 2019 a Emenda representou um corte de R$ 20 bilhões no orçamento do SUS.

Com a pandemia do novo coronavírus, o desmonte do SUS ficou ainda mais evidente e as desigualdades, que já vinham crescendo, se acentuaram em altíssima velocidade, através do enfraquecimento de programas como o Bolsa Família e o Minha Casa Minha Vida.

A posição do Brasil na corrida da vacina
O governo passou meses negando o fechamento de acordos para compra das vacinas e incentivando o uso do “kit covid”, que não possui nenhuma comprovação científica de eficácia. Somente em 17 de janeiro de 2021, quase um ano após o início da pandemia e depois de dezenas de milhões de vacinados no mundo, a primeira brasileira foi imunizada em São Paulo, sem apoio do Presidente e com forte disputa midiática por parte do governo federal, que, publicamente, trabalhou até o último instante contra a produção brasileira de vacinação.

Além disso, no âmbito interno, a condução da vacinação no país foi desarticulada pelo governo federal e realizada pelas esferas estadual e municipal, sem coordenação efetiva do Ministério da Saúde.

Em âmbito global, o Brasil foi o único país subdesenvolvido a votar contra a quebra de patentes das vacinas na Organização Mundial do Comércio e a atrasar a própria entrada no consórcio Covax Facility, cujo objetivo é a cooperação comercial de vacinas.

Como se não bastasse todo empenho governamental em boicotar a vacinação, iniciou-se uma disputa pela compra de vacinas por entidades privadas, sem que estas repassassem os imunizantes para o SUS. Empresários passam a requerer o direito de compra das vacinas, distribuindo-as conforme seus interesses e alterando o sentido universal construído e assegurado pelo Sistema Único de Saúde.

Hoje, a situação é ainda mais grave do que era há um ano. O Brasil é recordista de mortes diárias pela Covid-19 e, como consequência das atrocidades cometidas pelo governo federal, faltam doses do imunizante em diversas regiões do país.

A CPI da Pandemia foi instaurada para averiguar as omissões do governo federal nos efeitos devastadores da pandemia no país, e as expectativas da sociedade é que ela responsabilize os culpados pelos descabidos e evitáveis números de mortes, pelos flagrantes ataques à política brasileira de saúde pública, que resultaram num incremento do número de mortes e na precarização de serviços públicos essenciais. A partir da investigação, surge a oportunidade de propor saídas para a situação de calamidade que estamos vivendo.

Vacinação na pandemia

Até 27 de abril, 29,5 milhões de pessoas receberam ao menos uma dose da vacina, ou seja, apenas 13,96% da população brasileira, e 13,1 milhões receberam as duas doses, contabilizando 6,2% do total de brasileiros imunizados.

O resultado das ações irresponsáveis do governo estão expressos no grande número de pessoas contaminadas e mortas, no sistemático quadro de pressão sobre o sistema de atendimento em saúde e na lentidão para a aquisição, distribuição e oferta de vacinas no país.

Entre os grupos prioritários, o quadro é também desanimador. Apenas indígenas aldeados foram imunizados, ou seja, tomaram as duas doses em mais de 48% da sua população total.

Quilombolas, ribeirinhos, população em situação de rua, população em situação de prisão e funcionários do sistema prisional estão em menos de 1% de taxa de imunização.

A análise da atuação do governo federal ao longo do tempo mostra que o princípio da equidade não pode coexistir em um governo negacionista.

O governo já jogava contra os mais pobres e, com o início da pandemia, foram esses os que não tiveram estrutura para o isolamento social efetivo. Sem política de segurança alimentar, sem auxílio financeiro digno e permanente, a fome ganhou índices recordes entre os brasileiros. O Sistema Único de Saúde, que já sofria com os cortes de verba, entrou em colapso, com superlotação e falta de suprimentos básicos para os doentes. Soma-se ao cenário um governo negacionista que boicota a vacinação e a prevenção. A combinação fez com que as mortes aumentassem exponencialmente.

Acesse o levantamento na íntegra.

Integram a equipe de pesquisa do Observatório Direitos Humanos Crise e Covid-19:

– Emanuelle Góes – Doutora em Saúde Pública pelo Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia, Epidemiologista e Pesquisadora Pós-Doc do Centro de Integração de Dados e Conhecimentos para Saúde Cidacs-Fiocruz/Bahia.
– Felipe da Silva Freitas – Doutor em Direito, Estado e Constituição pela Universidade de Brasília. Pesquisador do Núcleo de Justiça Racial da FGV e integrante do Grupo de Pesquisa em Criminologia da Universidade Estadual de Feira de Santana.
– Yasmin Rodrigues – Cientista Social e Mestre em Direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Pesquisadora do Núcleo de Cultura Jurídica (PPGD/UFRJ) e do Núcleo de Justiça Racial da FGV.

O Observatório produz e sistematiza informações referentes aos direitos humanos no contexto da pandemia do Coronavírus no Brasil. Fazem parte:

Anistia Internacional
Articulação de Mulheres Brasileiras (AMB)
Articulação de redes e entidades nacionais para o enfrentamento da pandemia nas periferias e grupos vulneráveis.
Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB)
Artigo 19
Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexos (ABGLT)
Associação dos Jovens Indígenas Tapeba – CE
Associação Juízes para a Democracia (AJD)
Campanha Despejo Zero
Cedeca Gloria de Ivone, TO – Observatório Popular de Direitos Humanos
Centro de Estudos e Defesa do Negro do Pará – Cedenpa
Centro Feminista de Estudos e Assessoria (Cfemea)
Cineclube Comunitário do Povo/Comitê de Solidariedade do Povo – BA
Coalizão Negra de Direitos
Coletivo Feminista Helen Keller de Mulheres com Deficiência
Conectas
Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq)
Criola
Fórum de Direitos Humanos e da Terra de Mato Grosso (FDHT)
Fórum Nacional de Secretários Estaduais de Assistência Social
Geledés Instituto da Mulher Negra
Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc)
Justiça Global
Movimento de Defesa dos Direitos dos Moradores em Núcleos Habitacionais de S. André – MDDF/SP
Movimento de Mulheres Camponesas (MMC)
Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB)
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST)
Nós, mulheres da Periferia – SP
Núcleo de Prática Jurídica da UFPR
Observa Pop Rua -DF
Observatório Popular de Direitos Humanos de Pernambuco (OPDH)
Observatório – UNICAMP
Plataforma Brasileira de Direitos Humanos (DHESCA)
SOS Corpo
SOS Providência – RJ
Teia Solidariedade da Zona Oeste – RJ
Terra de Direitos

Foto da capa: Agência Brasil.

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