No próximo dia 16 de Agosto, o Supremo Tribunal Federal retoma o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 3239. Trata-se do embate jurídico de maior importância para os direitos quilombolas desde a promulgação da Constituição de 1988, que reconheceu, no art. 68 do ADCT, o direito dessas comunidades aos seus territórios ancestrais. Uma grande mobilização está prevista para esta data em Brasília, reunindo comunidades quilombolas de todo o país.
A ADI pretende a declaração de inconstitucionalidade do Decreto 4.887, de 20 de novembro de 2003, que regulamenta o procedimento para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas por remanescentes das comunidades de quilombos. A ação foi proposta em 2004 pelo então Partido da Frente Liberal (PFL), atual DEM, no intuito de impedir a titulação de territórios quilombolas. O ataque ao Decreto 4.887 representa um ataque a uma conquista institucional da luta de quilombolas de todo o Brasil. Dois ministros do STF já declararam seus votos na ação: Cezar Peluso, hoje aposentado, votou pela inconstitucionalidade do decreto em 2012; Rosa Weber votou por sua constitucionalidade em 2014, quando Dias Toffoli apresentou pedido de vista. O ministro reiniciará a votação no dia 16, e novos pedidos de vista podem adiar novamente o desfecho final da ação.
Se o Decreto 4.887 for declarado inconstitucional, a aplicabilidade do direito constitucional dos quilombolas a seus territórios será esvaziada. Um dos argumentos apresentados na ação é que o decreto invadiria uma esfera de «reserva legal» – ou seja, só uma lei, e não um decreto emitido pelo chefe do executivo federal, poderia regulamentar a aplicação de um direito previsto na Constituição. Se este argumento prosperar, comunidades quilombolas ficarão reféns de um congresso conservador, ruralista e criminalizador. Há, também, a possibilidade de que o Tribunal, mesmo reconhecendo a constitucionalidade do decreto, imponha condicionantes que dificultem o reconhecimento, demarcação e titulação dos territórios quilombolas.
A Justiça Global ingressou, em 2004, como amicus curiae («amigo da corte») na ação. A expressão em latim designa um tipo de participação especial no processo judicial, quando instituições demonstram interesse em oferecer subsídios que enriqueçam a percepção do Tribunal sobre o tema que versa a ação. A petição foi apresentada em conjunto com a Terra de Direitos, o Instituto Socioambiental, o Instituto Polis e o Centro pelo Direito à Moradia contra Despejos. Nela alguns pontos essenciais da luta por direitos quilombolas no país são recuperados, como ampla e representativa articulação criada para a concepção do Decreto 4.887; as manifestações do Comitê das Nações Unidas de Direitos Econômicos Sociais e Culturais ao Estado Brasileiro, em que revela preocupação quanto ao acesso à terra pelas populações negras, reforçando a necessidade da «adoção de medidas para garantir as terras ancestrais às comunidades remanescentes de Quilombos».
A petição também reforça as obrigações assumidas internacionalmente pelo Brasil em relação à titulação dos territórios quilombolas, bem como a aplicabilidade imediata do art. 68 do ADCT, que garante o direito constitucional de comunidades remanescentes de quilombos às suas terras ancestrais.
Leia na íntegra a petição apresentada pela Justiça Global e organizações parceiras.
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Saiba mais sobre o julgamento da ADI 3239 e sua repercussão para os direitos quilombolas:
Quilombolas no STF: de que lado você samba? | Artigo de Fernando Prioste, advogado popular da Terra de Direitos
Há ainda quem nos meça em arrobas | Artigo de Denildo Rodrigues de Moraes, coordenador nacional da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ)