Organização também pede a realização de audiência pública conjunta da Câmara com o Senado
A Justiça Global enviou, na manhã desta sexta-feira, quatro ofícios a Brasília solicitando providências em relação às prisões de manifestantes no último dia 12/7. A organização de direitos humanos lembra da ausência de provas apresentadas pela Polícia Civil em coletiva de imprensa no mesmo dia e ressalta que «o segredo de justiça sob o qual o inquérito e o processo vêm tramitando impedem o acesso à informação e a comprovação das ilegalidades destas mesmas prisões». Os contatos foram feitos com o Ministério da Justiça, Secretaria de Direitos Humanos, Senado e Câmara Federal, além do Conselho Nacional de Justiça.
Para a Justiça Global, «as manifestações populares são uma das formas mais evidentes de exercício da liberdade de expressão, mecanismo fundamental de controle democrático». Ainda segundo a organização, a prisão de pessoas que atuam através dos movimentos sociais e de organizações políticas representa uma violação à defesa e garantia dos direitos, e «que este inquérito visa tão só a desmobilização, deslegitimação, intimidação e criminalização de defensores de direitos humanos, representando grave violação por parte do estado do Rio de Janeiro, principalmente ao tratá-los enquanto associação criminosa».
Foi enviado um ofício para a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República e ao Conselho Nacional de Direitos Humanos, solicitando posicionamento sobre a prisão ilegal e arbitrária de manifestantes no Rio de Janeiro e a criação de Comissão Especial do Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH) para o acompanhamento do caso. O Ministério da Justiça também foi oficiado, solicitando revisão de seu posicionamento sobre as prisões.
Para o Conselho Nacional de Justiça, foi reiterada a representação contra o Juiz Flávio Itabaiana de Oliveira Nicolau, da 27ª. Vara Criminal da Cidade do Rio de Janeiro, feita pelos Deputados Federais Chico Alencar, Jean Wyllys, Jandira Feghali e Ivan Valente. Nela consta um pedido de instauração de procedimento administrativo disciplinar contra o mesmo.
Os ofícios seguiram ainda para a Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa do Senado Federal e para a Comissão de Direitos Humanos e Minorias Câmara dos Deputados, solicitando uma audiência pública conjunta sobre criminalização de manifestantes e de defensores de diretos humanos que atuam através dos movimentos sociais e de organizações políticas.
Leia a base da carta enviada pela Justiça Global:
No segundo semestre de 2013, durante a ampliação das manifestações populares em todo o Brasil, foi publicizada a informação da existência de um inquérito policial na Delegacia de Repressão a Crimes de Informática (DRCI), da Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro que investiga movimentos sociais e indivíduos que participam de protestos. Este inquérito tramita sob segredo de justiça e vem sendo responsável pela criminalização dos manifestantes e pela recente emissão de mandados de prisão temporária manifestamente ilegais.
No dia 12 de julho de 2014, foram cumpridos 26 mandados de prisão temporária e 2 mandados de busca e apreensão de adolescentes que vieram a gerar a prisão de 19 manifestantes sob a égide do artigo 288, parágrafo único do Código Penal, que prevê o tipo de associação criminosa armada. A ilegalidade que permeia a decisão judicial que autorizou as prisões resta demonstrada pela ausência de provas apresentadas pela Polícia Civil em coletiva de imprensa datada do mesmo dia, que pudessem vir a comprovar a materialidade do risco alegado na decisão exarada pelo juiz da 27ª Vara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Do mesmo modo, a decisão apresenta não apenas vagueza em seu texto, determinando que as prisões fossem realizadas sob argumento de possível risco de crime futuro – reforçando a ilegalidade da medida, como pode se depreender pela parte a seguir: “Que há sérios indícios de que está sendo planejada a realização de atos de extrema violência para os próximos dias, a fim de aproveitar a visibilidade decorrente da copa do mundo de futebol, sendo necessária a atuação policial para impedir a consumação deste objetivo e também para identificar os demais integrantes da associação”. Ainda comprovando a ilegalidade destas prisões, aponta-se a revisão de tal entendimento após decisão em sede de habeas corpus, proferida pelo desembargador da 2ª Câmara Criminal do Rio de Janeiro, cuja liminar deferiu liberdade a 12 presos.
Apesar da decisão favorável aos 12 manifestantes, nos causa preocupação a concessão da prorrogação do prazo da prisão temporária dos cinco manifestantes que ainda estão presos. O pedido realizado pela DRCI e concedido pelo juízo da 27ª Vara Criminal aponta o intuito de manutenção da tratativa criminalizante por parte do estado do Rio de Janeiro, sendo inclusive informado através da imprensa que haveria a emissão de novos mandados. Hoje foi noticiado pela imprensa que o delegado Alessandro Thiers vai indiciar e pedir a prisão preventiva dos 26 manifestantes que tiveram mandados de prisão expedidos, incluindo os manifestantes que tiveram sua liberdade concedida no último dia 14, apesar da evidente ilegalidade das primeiras prisões. O segredo de justiça sob o qual o inquérito e o processo vêm tramitando impedem o acesso à informação e a comprovação das ilegalidades destas mesmas prisões.
As manifestações populares são uma das formas mais evidentes de exercício da liberdade de expressão, mecanismo fundamental de controle democrático, conforme sedimentado pela Comissão Interamericana dos Direitos Humanos da OEA. A prisão arbitrária de manifestantes e de defensores de diretos humanos que atuam através dos movimentos sociais e de organizações políticas representa uma violação à defesa e garantia dos direitos. O que apontamos, portanto, é que este inquérito visa tão só a desmobilização, deslegitimação, intimidação e criminalização de defensores de direitos humanos, representando grave violação por parte do estado do Rio de Janeiro, principalmente ao tratá-los enquanto associação criminosa.