A Justiça Global entrou com um pedido de amicus curie (amigo da corte) no Supremo Tribunal Federal (STF) para o julgamento da Ação Civil Originária 1.100, que trata da legalidade constitucional da Portaria 1128/03, do Ministério da Justiça, que demarcou os limites da Reserva Indígena de Ibirima La-Klânõ, em Santa Catarina. Se o pedido for aprovado, a Justiça Global poderá incidir na ação. A ação tem uma importância não apenas para o povo Xokleng, que ocupa aquela terra, mas também abrirá um precedente, positivo ou negativo, para outros casos de indígenas que lutam pelo direito à terra.
Os autores do processo são 309 fazendeiros e proprietários de terras que questionam a decisão da União e da Fundação Nacional do Índio, afirmando que a demarcação da área da reserva indígena em 37 mil hectares acabou sobrepondo posses e propriedades deles. Na ação, eles afirmam que aquelas se tratavam de terras devolutas, que teriam sido vendidas no final do Século XIX. A Funai e os indígenas, contudo, reafirmam a legitimidade do laudo antropológico de identificação e delimitação da terra, assim como a perícia antropológica realizada a pedido do Judiciário. O caso, assim, é exemplar de uma disputa que acontece por todo Brasil, com fazendeiros reclamando propriedade sobre terras que historicamente são de povos tradicionais, sejam indígenas ou quilombolas.
Há comprovações da existência de um acordo celebrado pelo Serviço de Proteção aos Índios (SPI), em 1914, e a comunidade dos Xokleng, atribuindo a estes últimos um território de 37 mil hectares. «O Estado falhou com sua obrigação de preservar essas terras do avanço de colonos e colonizadores e assim, a comunidade foi paulatinamente perdendo partes do seu território, até que a Terra Indígena tivesse sua demarcação homologada em 14 mil hectares, em 1996, menos da metade do que lhe pertencia há oitenta anos. Garantir os 37 mil hectares é cumprir um acordo de mais de um século», explica Raphaela Lopes, advogada da Justiça Global.
O Marco Temporal novamente em questão
Outro ponto que coloca essa ação em destaque é a nova tentativa de utilizar o chamado “marco temporal” para determinar o direito ou não dos povos por sua terras. Por esse argumento, essas populações somente poderiam reivindicar terras que estavam ocupadas em 5 de outubro de 1988, data de promulgação da Constituição, ou pelo menos em disputa antes dessa data. A tese do marco temporal não teve uso pelo próprio STF no julgamento da reserva Raposa Serra do Sol, porém apareceu no acórdão desse julgamento.
O texto desse acórdão é claro ao dizer que “a decisão proferida na PET 3.388/RR não vincula juízes e tribunais quando do exame de outros processos, relativos a terras indígenas diversas”. O que acontece, todavia, é que essa simples menção serviu como base para uma série de ações que sistematicamente tentam atingir os direitos de indígenas e quilombolas. Isso tem afetado diversos procedimentos demarcatórios, que foram paralisados e até mesmo desconstituídos em virtude da tese do marco temporal.
Além de acompanhar o debate sobre marco temporal, a Justiça Global solicitou o amicus curie por conta de sua experiência em litigância internacional ligada às violações dos direitos indígenas. A organização possui casos no Sistema Interamericano de Direitos Humanos ligados a povos como os Xukuru, os Guarani-Kaiowá e aqueles afetados pela construção de Belo Monte. Há, portanto, um trabalho já consolidado na defesa internacional de povos indígenas, que, a organização espera, possa ajudar na luta do povo Xokleng.