Ainda são raros os casos em que mandantes de assassinatos no campo são responsabilizados por seus crimes. Uma dessas exceções poderá ocorrer nesta terça-feira, dia 6, às 8h, quando José Rodrigues Moreira será julgado pela morte do casal de extrativistas Maria do Espírito Santo e José Claudio Ribeiro, num crime que ganhou repercussão internacional, com manifestação de organismos como a Organização dos Estados Americanos (OEA). Eles foram mortos pela defesa da natureza e dos trabalhadores do campo, no dia 24 de maio de 2011, no Projeto de Assentamento Agroextrativista Praia Alta Piranheira, município de Nova Ipixuna, sudeste do Pará.
A mando de José Rodrigues, José Claudio e Maria foram mortos pelos pistoleiros Lindonjonson Silva (irmão do mandante) e Alberto do Nascimento. Os dois assassinos foram condenados a 42 e 43 anos de prisão, respectivamente. Lindonjonson teve sua fuga facilitada da penitenciária de Marabá em novembro de 2015 e não mais foi recapturado. José Rodrigues já foi a julgamento em Marabá, no dia 05 de abril de 2013, sendo absolvido. Os advogados assistentes de acusação e o Ministério Público ingressaram com recurso de apelação no Tribunal de Justiça do Pará (TJ-PA) requerendo a anulação do julgamento, por sérios problemas no processo. O juiz chegou a considerar que o casal assassinado teria «contribuído para o crime» em razão de seu «comportamento».
O pedido de anulação foi acolhido em agosto de 2015. Também foi concedido o desaforamento, para que o caso fosse julgado na comarca da capital do estado do Pará. A decisão do TJ também determinava a prisão preventiva do acusado, que se encontra agora foragido. A irmã de José Claudio, Claudelice Santos, de 33 anos, conta que o paradeiro de José Rodrigues é conhecido, mas mesmo assim o Estado não atua para sua prisão. «Eu mesma já cruzei com ele algumas vezes. Já avisei inclusive na delegacia de polícia, mas não há vontade alguma de cumprir a ordem de prisão», explica Claudelice, que estará junto com a família e amigos no julgamento de amanhã.
Há anos, Maria e José eram alvos de ameaças por denunciar a compra ilegal de lotes dentro da reserva extrativa Eles. foram mortos em uma emboscada, na entrada do assentamento. Na mesma semana de suas mortes, outro ambientalista, Herivelton Pereira dos Santos, foi morto dentro do mesmo assentamento. A investigação não chegou a nenhuma conclusão sobre os responsáveis. O desmatamento ilegal da reserva ocorria para a produção de carvão vegetal para a indústria siderúrgica. A situação em Nova Ipixuna é um exemplo do que ocorre em escala maior por todo o país, no qual interesses comerciais se colocam em choque com a preservação do meio ambiente e a resistência de povos tradicionais, como os indígenas.
De 1985 a 2015, foram 1.270 casos de homicídio em conflitos por terra ocorridos no Brasil, com cerca de 1.700 vítimas; há casos de mais de um morto, como no de Maria e José. Destes casos, apenas 108 foram julgados, o equivalente a 8,5% deles. O número de condenados é ainda menor, especialmente no caso dos mandantes, com apenas 28 responsabilizados por seus crimes, sendo que 86 executores também foram condenados. O levantamento é feito pela Comissão Pastoral da Terra.
Para Sandra Carvalho, coordenadora da Justiça Global, a falta de políticas públicas efetivas do Estado é um dos grandes responsáveis por essas mortes. “Vemos locais nos quais há uma forte cooptação das estruturas institucionais, que deveriam defender os direitos humanos, mas na verdade se tornam instrumentos de opressão contra aqueles que lutam por suas causas”, explica Sandra.
A Homenagem Maria do Espírito Santo
A história de luta de Maria do Espírito Santo, que assim como diversas outras mulheres colocaram suas vidas em jogo por uma causa, inspirou a «Homenagem Maria do Espírito Santo Silva», da Justiça Global, que neste ano chega a sua terceira edição. A proposta é valorizar a luta de centenas de defensoras e defensores, organizações e movimentos sociais que atuam em todo o país. Nesta edição, que ocorrerá no dia 12 de dezembro, no Rio de Janeiro, serão homenageadas:Djanira Krenak, liderança e matriarca do povo Krenak em Resplendor, Minas Gerais; Dona Julia Procópio, militante histórica da Rede de Comunidades e Movimentos Contra a Violência, do Rio de Janeiro; Iza Cristina Bello, militante do Movimento dos Atingidos por Barragem (MAB) em Nova Mutum Paraná, Rondônia; Lurdilane Gomes da Silva, militante do Movimento dos Atingidos por Barragem (MAB) em Nova Mutum Paraná, Rondônia; Sandra Quintela, sócio-economista, feminista, coordenadora geral do Instituto Políticas Alternativas para o Cone Sul (PACS); e Wilma Melo, militante contra as violações do sistema prisional e fundadora e Serviço Ecumênico de Militância nas Prisões (Sempri), em Recife, Pernambuco.