Desde a promulgação da Constituição Federal brasileira a segurança pública se tornou um direito constitucional de todas as pessoas. Há 20 anos a Justiça Global vem documentando informações neste campo demonstrando que a segurança pública se configura, especialmente no estado do Rio de Janeiro, como um instrumento de violação de direitos sob a justificativa do enfrentamento à criminalidade.
Já não é possível discutir segurança pública sem tornar o debate um obituário. Há alguns anos a Justiça Global vem documentando e comunicando a órgãos nacionais e internacionais de direitos humanos execuções de crianças e jovens no país, muitas das quais com fortes indícios de terem sido cometidas por agentes de Estado. Neste ano, o estado do Rio de Janeiro ultrapassou a marca de 1500 pessoas mortas por agentes de Estado, o maior número do período em 21 anos de registros.
Como é notório, há no Brasil uma política de enfrentamento à criminalidade que vitima de forma letal principalmente a juventude negra, o que faz com que a política de segurança se configure como um instrumento genocida. De acordo com o Atlas da Violência, o Brasil atingiu a terrível marca de 65.602 homicídios em 2017, dos quais 75,5% das vítimas eram negras.
Homicídios que sequer são elucidados e que geram impactos letais também para a vida de mulheres negras que morrem de tristeza após a perda dos seus filhos, como foi o caso de D. Joselita de Souza e Janaína Soares, ambas mães de jovens assassinados por policiais no Rio de Janeiro. O filho de Janaína, Christian, foi morto com um tiro nas costas em Manguinhos, aos 13 anos de idade, em setembro de 2015. O de Joselita, Betinho, foi morto no carro alvejado por 111 tiros em novembro do mesmo ano.
Em 2019, a política do confronto, altamente militarizada, e o estado de insegurança pública vitimou seis jovens em cinco dias. Gabriel Pereira Alves, 18 anos, foi morto com um tiro no peito. Lucas Monteiro dos Santos Costa e Thiago Freitas, ambos de 21 anos, foram mortos após uma invasão de homens armados em uma festa. Dyogo Xavier de Brito, 16 anos, foi morto com um tiro nas costas. Henrico de Jesus Viegas de Menezes Junior, 19 anos, foi morto com um tiro na cabeça. Margareth Teixeira, 17 anos, que segundo os jornais teve dez perfurações no corpo, foi morta em situação que também vitimou duas outras pessoas de forma letal (das quais sequer se sabe o nome). O filho de Margareth, de dois anos de idade, está no hospital.
Urge que o estado do Rio de Janeiro reveja sua atuação em relação à segurança pública que traz medo, insegurança e morte para as favelas e comunidades. Não se pode mais tratar como “balas perdidas” os tiros que caracterizam execução de pessoas negras (tiros na cabeça, tórax e órgãos vitais, quase sempre pelas costas) ou que se dão em situações de confronto por ocasião de operações policiais em locais pobres do estado, muitas vezes inclusive em horário escolar. A Justiça Global se solidariza com as famílias que tiveram seus filhos assassinados e exige rigorosa investigação dos casos com divulgação de seus resultados.