Audiência temática online, no dia 23/03, às 12h, terá participação de parlamentares recentemente atacadas e será aberta ao público
No próximo dia 23 de março, às 12h, vereadoras negras e transexuais, vítimas da violência política e eleitoral no Brasil, junto a organizações de direitos humanos, de mulheres negras e LGBTI+, vão participar da audiência temática da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), através da plataforma Zoom, para denunciar os constantes casos de violência política refletidos em atentados à vida e ataques de ódio, sejam virtuais e/ou físicos. A audiência, exclusivamente direcionada as denúncias dos casos brasileiros, é o resultado da articulação das organizações Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA); Criola; Terra de Direitos; Instituto Marielle Franco; Justiça Global; Rede Nacional de Negras e Negros LBGT e o Instituto Raça e Igualdade, que protocolaram o pedido de audiência para visibilizar e reivindicar do governo brasileiro uma atuação coordenada para proteger a vida e os direitos políticos das candidatas eleitas, diante do fenômeno da violência política e eleitoral.
O caso emblemático de Carolina Iara (PSOL/SP), que teve sua casa alvejada por tiros em São Paulo, está na pauta e a co-vereadora irá participar da audiência em parceria com as parlamentares Erika Hilton (PSOL/SP) e Ana Lúcia Martins (PT/SC), que também estão sofrendo ameaças durante seus mandatos. Ficou a cargo de Anielle Franco, Diretora Executiva do Instituto Marielle Franco, a abertura da audiência, na qual irá denunciar a série de atentados que estruturam a violência política culminada no assassinato de sua irmã, Marielle Franco, que completou três anos neste dia 14 de março. Bruna Benevides, Secretária de Articulação Política da ANTRA, será responsável por finalizar a audiência com recomendações à CIDH, elaboradas pelas organizações participantes.
O silenciamento pelo Estado das parlamentares negras e trans perante suas denúncias revela a fragilidade da democracia brasileira diante do acirramento das tensões políticas que marcou o processo eleitoral de 2020 como um dos mais violentos dos últimos anos. Erika Hilton, primeira vereadora trans e negra da cidade de São Paulo e a mulher mais votada do Brasil em 2020, começou a sofrer ameaças durante o processo eleitoral, tendo até mesmo uma de suas apoiadoras sofrido ataques transfóbicos, com mordidas e golpes de bastão, em plena campanha eleitoral na Avenida Paulista. Erika lamenta e recorda que a história da política brasileira é marcada pela violência política, mas que sua geração está vivendo esse infortúnio de maneira escancarada, desde 2018, com o brutal assassinato de Marielle e Anderson.
“A impunidade é combustível para a multiplicação de casos de ameaças e violências contra a nova onda de ocupação de espaços políticos por setores sociais historicamente perseguidos e marginalizados, como negras e negros, mulheres, indígenas e defensores de direitos humanos. É fundamental que a CIDH cobre severas investigações e mecanismos estruturais para a reparação de desigualdades sociais estruturais e que evitem o ódio pelos diferentes e pelos que querem fazer a diferença em nossa sociedade», afirma Erika.
A negligência do Estado brasileiro em adotar medidas urgentes de proteção às parlamentares e a morosidade do sistema de justiça, cujos cargos são majoritariamente ocupados por homens brancos cisgêneros, invisibilizam a brutalidade dos discursos de ódio, misóginos e racistas, que pretendem eliminar essas mulheres do pleno exercício de seus mandatos, apontam as parlamentares e organizações sociais. E, mais do que isso, as repetidas violências que insultam suas aparências, cabelos e identidades de gênero encontram espaço com o avanço do conservadorismo na sociedade, servindo de instrumento para manutenção do poder vigente, negando-lhes legitimidade e poder de decisão em suas pautas políticas.
A co-vereadora negra e intersexo Carolina Iara, da mandata coletiva da Bancada Feminista de São Paulo, mesmo tendo sua casa alvejada por tiros com sua vida em risco, não teve direito a escolta pela Câmara de São Paulo, que alegou que a legislação não prevê segurança para mandatas coletivas. Além disso, muitas mulheres intimidadas temem por suas vidas e preferem não denunciar por ficarem mais vulnerabilizadas perante os agressores. Carolina Iara observa que a promoção de uma agenda anti-gênero pelo governo fomenta a violência de gênero e, consequentemente, a transfobia.
“A violência contra a população trans precisa ser interrompida urgentemente no país. A violência transfóbica é sempre política e é através da política que vamos mudar essa realidade”, defende a vereadora Carolina Iara.
Diante da omissão do Estado, as parlamentares, em busca de segurança para si e suas famílias, estão arcando com os custos do próprio bolso para manterem-se vivas. Sem garantias de apoio, são as mulheres eleitas que têm suas liberdades privadas, impactando não somente na autonomia parlamentar, mas também na saúde mental e emocional de quem vive sob constantes medos de ataques. Desse modo, Ana Lúcia Martins, primeira vereadora negra de Joinville, espera que a audiência da CIDH reverbere para que as ações e discussões sobre a grave situação dos direitos políticos no país sejam amplificadas mundialmente.
“Espero que a denúncia mobilize as lideranças mundiais e que de alguma forma essa e outras formas de violência deixem de ocorrer e, caso ocorram, que tenhamos suporte para preservar a nossa vida. Que com essas ações de alcance mundial, o nosso país, os Estados e os municípios criem leis e mecanismos de proteção e segurança para parlamentares que lutam por direitos humanos e justiça social. O Brasil não defende e não protege aquelas e aqueles que lutam pelos direitos humanos em nosso país”, denuncia Ana Lúcia Martins (PT/SC).
O caos social gerado pelo fenômeno da violência política e eleitoral, além de impedir o exercício político das parlamentares, em seus papéis como atores e indivíduos políticos, também vem ressoando nas instituições de direitos humanos que garantem a denúncia e a visibilidade dos casos. Perante mais essa ausência das autoridades, Bruna Benevides, da ANTRA, espera que essa ação de denúncia e incidência provoque a comunidade internacional para a situação do Brasil, que tem um Estado omisso, mas também reprodutor das violências.
“Queremos alertar especialmente sobre a má gestão da pandemia e o impacto de um governo que tem se colocado contra os direitos humanos e tem sido um dos responsáveis pelo aumento e direcionamento dessa violência contra populações e grupos vulnerabilizados, historicamente tidos como minoritários, mas que também enfrentam o aumento na violência contra esses grupos de defensores de direitos humanos”, diz Bruna Benevides (ANTRA).
Em vista dos fatos, as instituições defensoras de direitos humanos, representadas por Anielle Franco durante a audiência, vão apresentar dados que comprovam as evidências da omissão e reprodução da violência pelo Estado. Desde a ausência de programas de proteção às parlamentares e defensores de direitos humanos, inexistente nas pautas da Ministra Damares Alves, à promoção de uma agenda transfóbica, racista e anti-gênero que fomentam os crimes de ódio. Para Anielle, denunciar o que está acontecendo no Brasil é crucial na luta contra o genocídio da população negra brasileira.
«Acessar mecanismos internacionais para denunciar a violência política contra mulheres negras, LGBTQIA+ e periféricas no Brasil é importante para expandir esta pauta globalmente, trazer novos atores que nos ajudem a pressionar o estado brasileiro a adotar medidas de segurança e proteção. Neste mês, três anos do assassinato de minha irmã Marielle Franco, estamos avançando para que nenhuma mulher tenha que sofrer mais nenhum tipo de violência», completa Anielle Franco (Instituto Marielle Franco).
Entre a luta contra a violência que impede mulheres negras e trans de exercerem seus direitos políticos, também está a luta contra a impunidade e a negação do Estado. Para documentarem e comprovarem como a violência político-eleitoral atua sistematicamente excluindo corpos negros e trans da esfera cidadã, as organizações Terra de Direitos e Justiça Global realizaram a pesquisa Violência Política e Eleitoral no Brasil, que aponta como a instrumentalização da violência para obter benefícios políticos, para eliminar a oposição e para lidar com diferenças políticas só se ampliou desde a campanha de 2018; e a pesquisa A Violência Política Contra Mulheres Negras, realizada em parceria com o Instituto Marielle Franco, que confirma a urgência de implementação de políticas de proteção do Estado brasileiro às mulheres negras nas casas legislativas. Em seu dossiê Assassinatos contra travestis e transexuais brasileiras em 2020, a ANTRA apresenta os ataques às candidaturas trans de todo país.
Acesse as pesquisas
Violência Política e Eleitoral no Brasil:
A Violência Política Contra Mulheres Negras:
Assassinatos contra travestis e transexuais brasileiras em 2020
Foto de capa: Fernando Frazão/Agencia Brasil