Relatores da Organização das Nações Unidas divulgaram, nesta quarta (29), um comunicado com duras críticas às políticas econômicas e sociais do Brasil no contexto da pandemia de Covid-19. Para os especialistas, a condução irresponsável dessas políticas “colocam milhões de vidas em risco”, cenário que se exacerba com a aprovação da Emenda Constitucional 95, que limitou o teto de gastos públicos em áreas estratégicas para o desenvolvimento humano e social no país, como saúde e educação.
A declaração foi protagonizada pelos especialista independente da ONU sobre os efeitos da dívida externa nos direitos humanos, Juan Pablo Bohoslavsky, e pelo relator especial sobre pobreza extrema e direitos humanos, Philip Alston, e endossada por outros nove especialistas das Nações Unidas em direitos humanos. Segundo apontam, “A epidemia da COVID-19 ampliou os impactos adversos de uma emenda constitucional de 2016 que limitou os gastos públicos no Brasil por 20 anos”, efeitos que “são agora dramaticamente visíveis na crise atual”.
O comunicado dos especialistas da ONU aponta, ainda, a escassez de leitos de terapia intensiva no país, disponíveis apenas em 10% dos municípios brasileiros, e a falta de leitos hospitalares no SUS, que tem apenas metade do que recomenda a Organização Mundial da Saúde. “O sistema de saúde enfraquecido está sobrecarregado e está colocando em risco dos direitos à vida e a saúde de milhões de brasileiros que estão seriamente em risco. Já é hora de revogar a Emenda Constitucional 95 e outras medidas de austeridade contrárias ao direito internacional dos direitos humanos”, afirma o comunicado.
Para os relatores, os cortes de gasto público violam diretamente as normas de proteção aos direitos humanos. “Os cortes de financiamento governamentais violaram os padrões internacionais de direitos humanos, inclusive na educação, moradia, alimentação, água e saneamento e igualdade de gênero”, afirmaram.
A crítica contundente dos relatores da ONU às políticas sociais e econômicas brasileiras ecoa denúncias que foram feitas aos especialistas do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas durante vários anos pela sociedade civil brasileira. A mais recente denúncia enviada aos relatores foi em 17 de Abril. Nela, 43 organizações brasileiras fizeram um apelo urgente à ONU para que recomendasse o fim do teto de gastos, que representa um grave risco para o combate à pandemia da Covid-19 no país.
De acordo com dados levantados pelo grupo, o orçamento federal em saúde foi R$ 30 bilhões menor nos últimos quatro anos, desde a aprovação da EC 95. «Enfrentar o Covid-19 e suas consequências exige, além da óbvia necessidade de recompor o financiamento das políticas de saúde, que toda a estrutura constitucional de proteção social seja e continue sendo fortalecida, uma vez que a desigualdade também é um fator de agravamento do impacto da doença e, por sua vez, impede o acesso aos direitos constitucionais básicos”, afirma a denúncia.
Leia abaixo a íntegra da declaração dos relatores da ONU:
COVID-19: As políticas econômicas e sociais irresponsáveis do Brasil colocam milhões de vidas em risco, dizem especialistas da ONU
GENEBRA (29 de abril de 2020) – Dois especialistas em direitos humanos da ONU disseram que o Brasil deveria abandonar imediatamente políticas de austeridade mal orientadas que estão colocando vidas em risco e aumentar os gastos para combater a desigualdade e a pobreza exacerbada pela pandemia da COVID-19.
“A epidemia da COVID-19 ampliou os impactos adversos de uma emenda constitucional de 2016 que limitou os gastos públicos no Brasil por 20 anos”, disse o especialista independente em direitos humanos e dívida externa, Juan Pablo Bohoslavsky, e o Relator Especial sobre pobreza extrema, Philip Alston. “Os efeitos são agora dramaticamente visíveis na crise atual”.
Os especialistas observaram que, por exemplo, apenas 10% dos municípios brasileiros possuem leitos de terapia intensiva e o Sistema Único de Saúde não tem nem a metade do número de leitos hospitalares recomendado pela Organização Mundial da Saúde.
“Os cortes de financiamento governamentais violaram os padrões internacionais de direitos humanos, inclusive na educação, moradia, alimentação, água e saneamento e igualdade de gênero”, afirmaram.
“O sistema de saúde enfraquecido está sobrecarregado e está colocando em risco dos direitos à vida e a saúde de milhões de brasileiros que estão seriamente em risco. Já é hora de revogar a Emenda Constitucional 95 e outras medidas de austeridade contrárias ao direito internacional dos direitos humanos”.
Especialistas em direitos humanos da ONU expressaram repetidamente a preocupação de que a política brasileira estava priorizando a economia sobre a vida das pessoas.
“Em 2018, pedimos ao Brasil que reconsiderasse seu programa de austeridade econômica e colocasse os direitos humanos no centro de suas políticas econômicas”, disseram. “Também expressamos preocupações específicas sobre os mais atingidos, particularmente mulheres e crianças vivendo em situação de pobreza, afrodescendentes, populações rurais e pessoas residindo em assentamentos informais “.
Os especialistas condenaram a política de colocar a “economia acima da vida”, apesar das recomendações de direitos humanos e da Organização Mundial da Saúde. “Economia para quem?”, perguntaram eles. “Não pode se permitir colocar em risco a saúde e a vida da população, inclusive dos trabalhadores da saúde, pelos interesses financeiros de uns poucos”, ressaltaram. “Quem será responsabilizado quando as pessoas morrerem por decisões políticas que vão contra a ciência e o aconselhamento médico especializado?”.
O Brasil tem feito vários esforços louváveis, eles observaram. “A renda básica emergencial, bem como a implementação das diretrizes de distanciamento social das autoridades subnacionais, são medidas de salvamento de vidas que são bem-vindas. No entanto, é preciso fazer mais”.
“Em uma recente declaração e carta aos governos e instituições financeiras internacionais, eu forneci recomendações econômicas, fiscais e tributarias concretas”, disse Bohoslavsky.
“A COVID-19 crise deve ser uma oportunidade para os Estados repensarem suas prioridades, por exemplo, introduzindo e melhorando os sistemas universais de saúde e proteção social, bem como implementando reformas tributárias progressivas, disseram os especialistas da ONU.
“Os Estados de todo o mundo devem construir um futuro melhor para suas populações, e não valas comuns”.
A declaração dos especialistas foi endossada pelo Sr. Léo Heller, Relator Especial sobre os direitos humanos à água potável e saneamento; Sra. Hilal Elver, Relatora Especial sobre o direito à alimentação, Sra. Leilani Farha, Relatora Especial sobre o direito à moradia adequada, Sr. Dainius Pūras, Relatora Especial sobre o direito à saúde física e mental; Sra. Koumbou Boly Barry, Relatora Especial sobre o direito à educação, e o Grupo de Trabalho sobre discriminação contra mulheres e meninas: Meskerem Geset Techane (Presidente), Elizabeth Broderick (Vice-Presidente), Alda Facio, Ivana Radačić, e Melissa Upreti.
Senhor Juan Pablo Bohoslavsky (Argentina) foi nomeado especialista independente da ONU sobre os efeitos da dívida externa nos direitos humanos pelo Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas em 8 de maio de 2014.
Senhor Philip Alston (Austrália) assumiu suas funções como relator especial sobre pobreza extrema e direitos humanos em junho de 2014.