Rede Justiça Criminal lança nota e critica a tramitação de projeto de lei que tipifica terrorismo

A Rede Justiça Criminal, coletivo formado por organizações da sociedade civil que lidam com o sistema de justiça criminal, lançou nesta semana uma nota pública contrária ao Projeto de Lei 2016/15, que introduz no ordenamento jurídico brasileiro a definição de organização terrorista, tipifica condutas e aumenta penas de crimes praticados com este intuito.

A nota ressalta que «o mais grave erro em que o projeto incorre é a inclusão da motivação política e ideológica entre os elementos típicos de organização terrorista», o que pode levar à criminalização de movimentos sociais e emancipatórios. Aponta, ainda, a inadequação da tramitação em regime de urgência de uma pauta tão sensível, e com consequências potencialmente nefastas à democracia brasileira.

Leia abaixo a nota na íntegra ou acesse aqui.

 

NOTA PÚBLICA

A Rede Justiça Criminal, coletivo formado por organizações da sociedade civil que lidam com o sistema de justiça criminal e empenham-se no sentido de torná-lo mais justo e atento aos direitos e garantias fundamentais, vem a público manifestar sua preocupação e crítica veemente ao Projeto de Lei 2016/2015, a suas emendas e à sua tramitação em regime de urgência.

O PL 2016/2015 introduz no ordenamento jurídico brasileiro a definição de organização terrorista, tipifica condutas e aumenta significativamente as penas de crimes, quando praticados com intenção de provocar o terror, expondo a perigo a pessoa, o patrimônio, a incolumidade ou a paz pública ou de coagir autoridades a fazer ou deixar de fazer algo. Ambíguo e repleto de conceitos jurídicos indeterminados, o mais grave erro em que o projeto incorre é a inclusão da motivação política e ideológica entre os elementos típicos de organização terrorista.

Ao contrário da xenofobia, discriminação ou preconceito – atitudes socialmente reprováveis e, efetivamente, condenadas pelo ordenamento jurídico brasileiro – a expressão política e ideológica é direito fundamental. Não pode constituir, por isso mesmo, elemento a ensejar especial reprovação, quando do eventual cometimento de delitos. Não num país cuja Constituição tem como princípio basilar o pluralismo político (art. 1º, V) e protege o direito à convicção política (art. 5º, VIII) como inviolável pressuposto da República (art. 60, § 4º, IV). Não por um Estado internacionalmente comprometido a garantir a todos os cidadãos e cidadãs o direito e a possibilidade de participar da condução dos assuntos públicos, diretamente ou por meio de representantes livremente escolhidos (Artigo 25 do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos) e a não molestar ninguém por suas opiniões (Artigo 19, 1, do Pacto).

Incluir a política e a ideologia como elementos característicos de organização terrorista expõe a população brasileira à censura penal de atos contestatórios, especialmente se levadas em consideração as emendas já apresentadas, tais como as EMPs 2, 3, 4 e 5/2015 ao PL 2016/2015. Elas anulam todo o potencial de autolimitação do Estado em relação a movimentos sociais e atividades de protesto, ao modificar o projeto para incluir sob a abrangência típica de organizações terroristas as manifestações por direitos que venham a provocar terror, expondo a perigo a pessoa, o patrimônio, a incolumidade pública ou coajam autoridades a fazer ou deixar de fazer algo. Afinal, é tênue a linha entre a tentativa de exercer legítima pressão sobre representantes eleitos e a tentativa de coação de autoridades.

Está em questão, portanto, a experiência democrática brasileira, e não somente pelo conteúdo do projeto. O PL 2016/2015 trouxe de volta à agenda do Congresso Nacional um tema de considerável complexidade, mas num regime de tramitação incompatível com o desafio. O regime de urgência solicitado nos termos do artigo 64, § 1º da Constituição Federal, dispensa etapas do processo legislativo, limita às Comissões e ao Plenário o exercício de suas funções e, pela exiguidade do prazo imposto ao Congresso Nacional, restringe, se não obstrui, a possibilidade de participação da sociedade civil, por meio do debate público e da contribuição de especialistas em audiências públicas.

É inadmissível, nesse sentido, que o Estado Brasileiro pretenda realizar em apenas 90 (noventa) dias uma discussão que o mundo todo realiza há décadas sem sucesso. É enorme a controvérsia suscitada nos planos nacional e internacional, quanto à conceituação de “terrorismo”, pelo caráter plurisemântico da expressão e pelo enorme potencial de criminalização de movimentos sociais e emancipatórios. Não por outra razão, em 1998 os países signatários do Estatuto de Roma, que criou o Tribunal Penal Internacional, rejeitaram a proposta de criminalização do terrorismo.

Diante disso, este grupo de organizações teme que o Plenário da Câmara Federal seja surpreendido na volta do recesso com a necessidade de votação de um projeto apresentado no dia 18 de junho de 2015 e distribuído para a análise concomitante –mas não conjunta – em três diferentes Comissões, que sequer o apreciaram. O regime de urgência em que tramita implica, ademais, a impossibilidade de prorrogação do prazo do relator, de pedido de vista, implica a ausência de interstício para proposições, implica a redução do tempo dos oradores pela metade na discussão e no encaminhamento da votação.

A urgência, por significar a dispensa de exigências, interstícios e formalidades regimentais que viabilizam o escrutínio informado e maduro, não é adequado à apreciação de projetos, cuja complexidade e cujas potenciais consequências tenham tamanha gravidade. É urgente, portanto, que deixe de sê-lo.

Nesse sentido, a Rede Justiça Criminal vem a público expressar sua enorme preocupação e veemente repúdio ao PL 2016/2015 e ao regime de urgência constitucional em que tramita.
03 de agosto de 2015

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