Em lançamento de volume da coleção Caminhos, da Justiça Global, as advogadas populares Layza Queiroz e Carolina Spyer analisam o desastre-crime do rompimento da barragem do Fundão.
OITO anos depois do desastre-crime humano, ambiental e trabalhista do rompimento da barragem da Samarco, em Mariana–MG, a gente não pode falar em reparação. Esse é o diagnóstico categórico que as advogadas populares e pesquisadoras Layza Queiroz e Carolina Spyer realizam no livro “Reparação integral de danos socioambientais e a repetição que se anuncia”, segundo volume da Coleção Caminhos, lançado nesta segunda-feira (29/1), pela Justiça Global.
A publicação se aprofunda nos princípios que compõem a garantia da reparação integral por violações de direitos humanos com base nas decisões internacionais relacionadas a danos socioambientais, com destaque ao princípio da não repetição. Para esta análise, o estudo apresenta um cenário de violações que é anterior ao desastre-crime do rompimento da barragem do Fundão e evidencia que mais desastres podem ocorrer se nada for alterado.
“O Estado caminha para repetir outras tragédias socioambientais. As violações de direitos humanos e ambientais já existiam antes da ruptura. Os processos que deveriam reparar as vítimas continuam a violar direitos humanos e como as políticas vêm sendo conduzidas, é possível que ocorram novas tragédias”, escrevem as autoras.
As respostas produzidas, porém, são insuficientes e acabam produzindo novas violações, “justamente pelo fato de terem sido construídas por aqueles/as que não sofreram com os danos”, argumentam. «O único caminho possível para se alcançar a reparação integral é a partir das vítimas, ou seja, das próprias pessoas atingidas”, dizem.
As autoras destacam a luta dos/das atingidos/as, sobretudo por indenizações justas, garantia de participação efetiva no processo de construção do acordo de repactuação, o direito à assessoria técnica independente para todas as regiões atingidas e por prazo contínuo durante o processo da reparação.
Lançamento
Para o lançamento do livro, defensores de direitos humanos e especialistas realizaram um debate sobre o tema na última segunda-feira (29/01), na Casa Terra, em Belo Horizonte–MG, em meio às atividades da Articulação Internacional dos Atingidos e Atingidas pela Vale.
O lançamento contou com a presença da coautora do livro Layza Queiroz; Melisanda Trentin, coordenadora do programa de Justiça Socioambiental e Climática da Justiça Global; Luiz Paulo Siqueira, do Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM) e Laura de Freitas Aranha Falcão, da Comissão de Atingidos de Barra Longa.
– Os danos devastadores da mineração no Brasil ficaram evidentes no caso do rompimento da Barragem de Fundão. Além dos graves danos ambientais dessa atividade historicamente associada ao colonialismo, os direitos das pessoas especialmente no entorno dessas atividades minerárias também têm sido sistematicamente violados, como evidenciam as autoras. Assim, neste estudo, elas abordam a aplicação do princípio da reparação integral, uma ferramenta jurídica para fortalecer as lutas de resistência de atingidos e atingidas por danos ambientais, rumo a um bem-viver possível.
Sobre o caso
Controlada pelo consórcio Samarco, formado pelas empresas Vale e BHP Billiton, a Barragem do Fundão se rompeu na tarde de cinco (5) de novembro de 2015. Cerca de 60 milhões de metros cúbicos de rejeitos de minério de ferro foram despejados, matando 19 pessoas, deixando outras 1.200 desabrigadas, soterrando o subdistrito de Bento Rodrigues, tendo impactado também os povoados de Paracatu de Baixo, Gesteira e o municípios de Barra Longa, afetando enfim toda a vida da bacia do rio Doce, até o litoral do Espírito Santo.
A Justiça Global é copeticionária – ao lado do Movimento Atingidos por Barragens (MAB), o Núcleo de Direitos Humanos da UFOP, Fian Brasil, o Instituto Homa, Grupo de Estudos e Pesquisas Socioambientais (GEPSA/UFOP) – de uma denúncia do Estado brasileiro no Sistema Interamericano de Direitos Humanos pelas violações contra a população atingida decorrentes da não adoção de medidas de fiscalização e prevenção. Para as peticionárias, a forma de gestão da reparação adotada coloca as populações atingidas em situação desfavorável nas negociações.
Em 2019, logo após o rompimento da barragem de Brumadinho, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) e a sua Relatoria Especial sobre Direitos Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais (REDESCA) enviaram uma série de recomendações ao Estado brasileiro, incluindo a de assegurar o acesso a mecanismos eficazes de reparação integral por abusos cometidos por empresas mediante políticas adequadas, atividades de regulamentação e submissão à justiça.
Sobre a Coleção
A Coleção Caminhos é uma iniciativa da Justiça Global para debater temas relacionados à justiça socioambiental, em consonância com a luta contra o racismo e pela garantia do direito à terra e ao território como direito coletivo relacionado ao acesso aos bens comuns, à cultura e ao respeito aos modos de vida das comunidades, além de construir estratégias de responsabilização de Estados e de empresas por violações de direitos humanos.
Enfatizando os processos de resistências vividos, em especial, pelas populações atingidas – daí o nome “Caminhos” – a coletânea nasceu, assim, com o propósito de intensificar o diálogo com autoras e autores parceiros e reconhecidos em seus campos de atuação e diante da necessidade de aprofundar questões e conceitos relacionados que ou já têm repercussão nos sistemas internacionais ou, ao menos, merecem ter.
A partir da Coleção Caminhos queremos disputar os sentidos da justiça socioambiental, visibilizar os sujeitos e os territórios e ampliar a visão de direitos humanos.
Sobre as autoras
Layza Queiroz Santos é advogada popular, pesquisadora e consultora. É mestra em Estudos Interdisciplinares sobre Mulheres, Gênero e Feminismo pela Universidade Federal da Bahia – UFBA, e integrante do coletivo Margarida Alves de Assessoria Popular. Tem como principal área de atuação a defesa dos direitos de povos e comunidades tradicionais em contextos violações socioambientais, além de trabalhar com pesquisa e treinamentos na área de proteção e segurança para (e com) defensoras de direitos humanos.
Carolina Spyer V. Assad é advogada popular, pesquisadora e psicanalista. É mestra em Filosofia do Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Possui especialização em Epistemologias do Sul pelo Conselho Latino-americano de Ciências Sociais (CLACSO). É mestranda em Psicopatologia Clínica Psicanalítica pela Universidade de Estrasburgo (UNISTRA) e Cursou Bases Conceituais de Psicoterapia Analítica pela mesma Universidade. Integra o Coletivo Margarida Alves de Assessoria Popular.
Foto da capa: Daniela Fichino/Justiça Global.