A relatora para o Brasil da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), Antonia Urrejola, afirmou nesta terça-feira (8/05), na República Dominicana, que quer visitar o Brasil, ainda nesse semestre, para acompanhar a intervenção federal no Rio de Janeiro. Segundo ela, usar Forças Armadas em ações da segurança pública não é razoável, considerando que militares têm formação e missão distintas dos agentes policiais. A relatora acompanha com preocupação a intervenção e seus reflexos, descritos por representantes da Justiça Global, Conectas, Redes da Maré e Defensoria Pública do Rio, durante audiência pública no 168º período de sessões da CIDH.
Na audiência sobre violações de direitos no âmbito da intervenção, Sandra Carvalho, coordenadora da Justiça Global, lembrou que “desde o final da ditadura empresarial-civil-militar, foram editadas dezenas de decretos de Garantia da Lei e da Ordem (GLO), que autoriza o emprego das Forças Armadas como agentes de polícia. O Rio de Janeiro foi o estado onde esse tipo de operação ocorreu com maior frequência. De 2010 até 2017, foram 44 GLOs em todo o país, uma média de seis ao ano, sendo que 17 destas intervenções foram no Rio”.
As organizações lembraram que as ocupações militares têm um custo alto, pouca eficácia e afetam a vida da comunidade. A ONG Redes da Maré documentou a ocupação das Forças Armadas no conjunto de favelas da Maré, entre abril de 2014 e junho de 2015. Nesse período, foram gastos $ 1,2 milhão por dia na ocupação militar e muitos transtornos para os habitantes. As atividades escolares foram suspensas por 26 dias, afetando uma média diária de 4.360 crianças e adolescentes, dezenas de moradores detidos e processados na Justiça Militar por desacato à autoridade e somente nos seis primeiros meses de ocupação, houve registro de 28 homicídios. A pesquisa da Redes da Maré no conjunto de favelas aponta que apenas 20% dos moradores perceberam alguma melhoria na sensação de segurança no território, não justificando tamanho investimento.
Monique Cruz, da Justiça Global, citou dados compilados pelo Observatório da Intervenção, em pesquisa feita pelo Cesec, da Universidade Cândido Mendes: se 60 dias antes da intervenção foram registrados 1.299 tiroteios; dois meses após, o número subiu para 1.502. No período, também foram registrados 940 homicídios, sendo 209 cometidos por agentes de segurança, e registrados como autos de resistência. Também ocorreram 12 chacinas nesse período, com um total de 52 vítimas letais.
Lidiane Malanquini, da Redes da Maré, disse que “historicamente, os moradores de favelas, em sua maioria negros, são os mais afetados por essa política de segurança militarizada, baseada em ações pontuais e extremamente violentas. É importante destacar o caráter racista desta política perversa que ataca o direito à vida, provoca o adoecimento e limita o acesso a outros direitos básicos.”
A intervenção federal, bem como as GLOs, são direcionadas às comunidades populares. Apenas no Rio de Janeiro, os moradores de favelas representam 1,4 milhão de pessoas, mais de 22% da população total da cidade. “Nessas áreas, extremamente populosas, tende a se priorizar confrontos armados e operações desproporcionalmente militarizadas”, afirmou.
Já Fabio Amado, da Defensoria Pública do Rio de Janeiro, informou que em 2017, “foi aprovada a lei que transfere para a competência da Justiça Militar o julgamento de crimes dolosos contra a vida cometidos por militares das Forças Armadas contra civis, bem como amplia a sua competência para processar e julgar outros delitos (como tortura e abuso de autoridade)”.
Os representantes do Estado brasileiro estavam visivelmente constrangidos durante a audiência e não conseguiram apresentar argumentos convincentes para a decretação da intervenção federal. Um deles, ao contrário das entrevistas anteriores de autoridades, alegou que a intervenção foi necessária em função da crise econômica do Estado do Rio de Janeiro e que tal estava afetando a segurança pública. Ele ainda tentou sustentar, com pesquisas feitas pelo governo, que a intervenção foi aprovada pela população. Os comissionados criticaram as respostas e lembraram que tal ato extremo não pode ser decidido por meio de pesquisas de opinião.