Corte propõe a criação de uma mesa de diálogo com representantes do governo, das vítimas e do CNJ.
O Estado brasileiro reconheceu na Corte Interamericana de Direitos Humanos que viola os direitos humanos das pessoas com transtornos mentais, em audiência que ocorreu na última sexta-feira (23) sobre o cumprimento da sentença do Caso Ximenes Lopes. Na ocasião, a Justiça Global, a Associação Brasileira de Saúde Mental e o Mecanismo Nacional de Prevenção de Combate à Tortura também denunciaram o desmonte da política de saúde mental e as condições desumanas e degradantes dos hospitais psiquiátricos no Brasil. Em 2006, quando foi proferida a sentença do caso Damião Ximenes Lopes – que trata da tortura e morte numa clinica psiquiatrica conveniada ao SUS, a Corte havia determinado que o Estado implementasse um programa de formação e capacitação para trabalhadores de saúde mental seguindo os princípios da reforma psiquiátrica e da luta antimanicomial. Entretanto, passados 15 anos, nada foi feito e pior, o governo tem atuado numa contrarreforma.
“A política manicomial é inerentemente violadora de direitos, porque preconiza a segregação social com a colocação de pessoas em situação de vulnerabilidade, muitas vezes contra a sua vontade, em instituições de privação de liberdade, longe de suas famílias e comunidades, sem mecanismos de controle externo, reunindo assim condições para práticas de tortura, maus-tratos e sujeição, como ocorrido com Damião Ximenes. Nesse sentido, capacitações em direitos humanos e saúde mental poderiam contribuir na mitigação dessas violações. Isto porque, as violações constatadas em hospitais psiquiátricos têm relação com o desrespeito a direitos subjetivos de pessoas com transtornos mentais”, afirmou a advogada da Justiça Global, Raphaela Lopes, durante a audiência.
O perito do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, Lúcio Costa, ressaltou dados da inspeção que o Mecanismo realizou em 40 hospitais em 2018, nas cinco regiões do país: “459 pessoas morreram no maior pólo manicomial do Brasil em Sorocaba. Pessoas morreram de fome, de frio, vítimas de barra de ferro, tudo isso dentro da unidade. Dos 40 hospitais psiquiátricos, 33 não contavam com nenhuma atividade terapêutica; 37 não tinham equipe mínima para o cuidado dessas pessoas. Em 60% dos hospitais foi identificado o uso de força do trabalho dessas pessoas, ou seja, forçavam as pessoas a trabalharem em situações análogas à escravidão. Encontramos uma criança que foi internada aos sete anos e na época da visita ela estava com dez anos!”. Os dados estão no Relatório de Inspeção Nacional em Hospitais Psiquiátricos do Brasil, de 2019.
Leonardo Pinho, da Associação Brasileira de Saúde Mental (ABRASME), denunciou o retrocesso na política de saúde mental no atual governo. “Hoje, temos um conjunto de decretos e portarias que versam sobre processos de institucionalização, quer dizer de financiamento de leitos privados em hospitais psiquiátricos, clínicas psiquiátricas e comunidades terapêuticas. Voltamos a ter uma política pública focada no isolamento, na exclusão social.”
Por sua vez, a representante do Brasil respondeu: “O Estado brasileiro reafirma o seu compromisso com o Sistema Interamericano de Direitos Humanos com a prestação do serviço de saúde mental, fundamentada no reconhecimento de direitos humanos e na qualidade intrínseca de seus usuários. Muito obrigada.” A presidente da Corte questionou duas vezes se o Estado brasileiro só tinha isso a dizer diante das inúmeras denúncias apresentadas. Na ocasião, o Brasil foi interrompido duas vezes por não responder os questionamentos feitos pela Corte.
O secretário Geral do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Juiz Valter Shuenquener de Araújo, enfatizou o compromisso do CNJ com a implementação das sentenças proferidas pela Corte: “O CNJ compreende as decisões que emanam dessa corte e editou a resolução 364, ao final de 2020, cujo objetivo principal é adotar providências para monitorar e fiscalizar as medidas adotadas pelo Poder Público para o cumprimento das sentenças e das medidas provisórias proferidas pela Corte.”
A presidente da Corte Interamericana, juíza Elizabeth Odio Benedito, propôs a criação de uma mesa de diálogo entre o governo brasileiro, a sociedade civil e o CNJ para discutir os pontos pendentes da sentença.
Para assistir à audiência na íntegra clique no link a seguir: https://www.facebook.com/justicaglobal/videos/2259085257568469