Nesta semana, o jornal O Estado de São Paulo divulgou o conteúdo de uma comunicação enviada pela Organização das Nações Unidas ao governo brasileiro, pedindo explicações sobre um conjunto de violações cometidas pelo Estado no contexto das manifestações iniciadas em junho de 2013. Comunicações como esta são o produto do trabalho de diversas organizações que se dedicam à proteção de direitos humanos no país, cuja atuação frente aos organismos internacionais tem sido estendida para abranger as violações estatais verificadas no contexto das manifestações populares.
Desde junho de 2013, a Justiça Global tem enviado informes aos relatores da Organização das Nações Unidas (ONU) e da Organização dos Estados Americanos (OEA), em que sistematiza os incidentes de violência policial contra manifestantes, aborda as alterações legislativas de endurecimento penal, denuncia a atuação preocupante do sistema de justiça criminal na investigação e processamento dos casos, bem como relata situações individuais especialmente críticas, por importarem em um avanço da criminalização de movimentos sociais e ativistas.
Em junho de 2013, um comunicado enviado ao Secretário Executivo da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), da OEA, relatou as execuções ocorridas durante operação policial na favela da Maré nos dias 24 e 25 de junho, em que 10 pessoas foram mortas. A ação foi precedida por uma manifestação realizada no bairro de Bonsucesso, na qual, como em inúmeras outras no período, reivindicava-se a redução do valor das passagens nos transportes públicos.
Por ocasião da visita do relator das Nações Unidas para a liberdade de expressão e opinião, Frank La Rue, e da relatora da OEA para a liberdade de expressão, Catalina Botero, em outubro de 2013, a Justiça Global entregou um relatório parcial sobre as violações de direitos humanos no contexto das manifestações populares do Rio de Janeiro, produzido em conjunto com a Comissão de Direitos Humanos da Alerj, o Instituto de Defensores de Direitos Humanos e o Sindicato Estadual dos Profissionais da Educação do Rio de Janeiro. Dentre os pontos de destaque, foram abordados o porte e uso de armas letais por policiais militares durante as manifestações, o uso abusivo e indiscriminado de armamentos menos letais, a detenção arbitrária de manifestantes, a produção de atos normativos excepcionais e a violência contra os profissionais da educação, especialmente durante a desocupação forçada do plenário da Câmara dos Vereadores.
Comunicação semelhante foi enviada ao Secretário Executivo da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), da OEA, em que são relatadas as práticas de flagrante forjado, a prisão em massa de manifestantes na escadaria da Câmara Municipal, e a imposição de condicionantes arbitrárias para a concessão de liberdade, em um grave contexto de criminalização de ideologias políticas.
Em novembro de 2013, um informe abordando a aplicação da Lei de Organizações Criminosas, da Lei de Segurança Nacional e da Lei das Máscaras na criminalização das manifestações populares no Brasil foi enviado ao Representante Regional do Alto Comissariado das Nações Unidas na América Latina, elaborada em conjunto com o Instituto de Defensores de Direitos Humanos e o Centro de Assessoria Popular Mariana Criola. Uma comunicação atualizada, produzida em conjunto com a Conectas, foi enviada ao Alto Comissariado da ONU em abril de 2014, bem como ao Relator Especial para Defensores de Direitos Humanos, ao Relator sobre Direitos Humanos e Luta contra o Terrorismo, e ao Relator para a Liberdade de Expressão.
A audiência temática realizada pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) da OEA, atendendo a um pedido da Justiça Global e de mais oito organizações, abordou a violação de direitos humanos pelo Estado brasileiro, durante as manifestações. Foram expostos casos de prisões arbitrárias, o uso abusivo de armamentos e ataques à mídia feitos pela polícia, no intuito de discutir e aprofundar os posicionamentos do Estado Brasileiro em relação à liberdade de manifestação, expressão e integridade física dos manifestantes.
A atuação da Justiça Global procura conferir visibilidade às violações de direitos humanos em âmbito internacional, possibilitando e ampliando a pressão externa sobre o governo brasileiro. Se, por um lado, a arquitetura institucional e a legislação brasileira são internacionalmente saudadas como democráticas, por outro uma enorme distância separa tais instrumentos de sua correta e efetiva aplicação na realidade brasileira. Explicitar esta distância e pressionar pelo aprimoramento das práticas institucionais é parte da agenda de trabalho da Justiça Global.